Manaus – Passados dois anos do início da migração venezuelana em Manaus, famílias que enfrentam crise política e econômica no País continuam chegando até a capital amazonense e voltaram a se instalar de improviso na Rodoviária de Manaus , em Flores, zona centro-sul da capital. Cerca de 190 chegam de Roraima, no próximo mês, segundo a Secretaria Municipal da Mulher, Assistência Social e Direitos Humanos (Semmasdh).

Para muitos refugiados que chegam em Manaus, a área em frenta à rodoviária é o primeiro ‘lar’ na cidade. (Foto: Raquel Miranda)
Com dois filhos, entre eles um autista, o ex-petroleiro na Venezuela, Bernardo Cordova, perdeu mais de 20 quilos e andou por 25 quilômetros para chegar ao Brasil e fugir da fome e da crise do país natal.
Os remédios do filho estão acabando, contou o imigrante que estava com o pé enfaixado, após caminhar por quilômetros com as malas na cabeça. O drama da família Cordova é ainda maior porque a filha adolescente do casal não conseguiu o documento que a autorizaria a cruzar a fronteira.
“Estamos morrendo de fome lá. Sabe quanto é um quilo de frango na Venezuela? Dez milhões de bolívares. E não tem emprego, principalmente para quem se opõe à ditadura de (Nicolás) Maduro. Ele está deixando o povo morrer de fome”, disse.
O salário-mínimo no País, segundo Bernardo, estava em 5 milhões de bolívares quando decidiu deixar a Venezuela. Para comprar um frango, ele e a família teriam que juntar dois salários inteiros.
“Medicamento então. Meu filho precisa tomar um remédio muito caro, tive que trabalhar meses numa fazenda, que nem me pagaram tudo, para comprar o remédio dele. É desesperador”, disse. No Brasil, o tegretol, usado pelo filho de Bernado no tratamento da epilepsia e dor neuropática chega a custar R$130.
E foi o desespero que fez a família pegar a estrada, pedindo carona, comida e água na busca de uma vida melhor. E ao que tudo indica uma chance foi dada. No dia seguinte a família foi levada para um abrigo.
É quase diária a chegada de venezuelanos, contou o vendedor ambulante da Rodoviária, Fábio Santana, 41. “É triste demais a situação deles, você olha como eles chegam aqui, parece até coisa de novela passar 20 dias andando”, declarou.
Duas famílias de venezuelanos acamparam embaixo de viaduto próximo a rodovia, em Flores, zona centro-sul da capital, desde a madrugada do último dia 5. Os oito foragidos levaram um mês para chegar em Manaus, à procura de trabalho. “Caminhamos pelo menos 15 km a pé”, disse o embalsamador Ramon Martinez, 36.
As duas famílias são compostas pelos cunhados Ramon Martinez e o pedreiro Elias Larai, 29, e suas esposas: as irmãs Diana Marquez, 20, e Izabel Marquez, 22. Quatro crianças pequenas são filhos dos casais, dois meninos e duas meninas.
“A Venezuela está em crise, lá não se consegue nada, viemos por causa de alimento. Com dois meses de salário, eu conseguia comprar 1kg de carne. Centenas de famílias estão desempregadas”, contou Ramon Martinez.
O embalsamador disse que a viagem foi feita a pé e através de caronas. “Às vezes, conseguíamos juntar um pouco de dinheiro graças a pessoas bondosas que nos davam um trocado ou dois, e usávamos a quantia para comprar comida e passagens de ônibus”, relatou, acrescentando que as duas famílias chegaram a acampar durante dois dias em uma construção abandonada, no meio da viagem, sem conseguir carona. “Dormíamos em rodoviárias ou em locais como borracharias, quando encontrávamos um que nos aceitava”, disse.
Ramon também contou que sua filha, de 3 anos, contraiu pneumonia depois de duas semanas de caminhada, e teve de ser socorrida em um hospital de pronto-socorro próximo, no meio da viagem para Manaus.
Questionado sobre a situação política da Venezuela, Ramon teceu críticas. “Se alguém falar mal do governo, acaba preso. Maduro sancionou uma lei contra manifestações”, disse Ramon.
De acordo com Elias Larai, o objetivo atual do grupo é encontrar emprego e um lugar para morar. “Queremos alugar um apartamento para podermos sair da rua”, contou Elias.
Manaus acolhe mais de 200 venezuelanos em abrigos e vira destaque mundial pela solidariedade
Atualmente, 200 venezuelanos estão sendo acolhidos pelo município. O porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) no Brasil, Luiz Fernando Goudinho, afirmou que o acolhimento aos venezuelanos na capital demonstra a ‘solidariedade’ da sociedade amazonense, em entrevista à REDE DIÁRIO DE COMUNICAÇÃO (RDC), no final do mês passado.
Vinda para o Brasil é, para muitos venezuelanos, a última esperança. (Foto: Sandro Pereira)
Só em 2017, pelo menos 400 indígenas venezuelanos chegaram a Manaus e foram acolhidos em abrigos, de acordo com os dados da Secretaria Municipal da Mulher, Assistência Social e Direitos Humanos (Semmasdh). Conforme o porta-voz da agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para os refugiados, a solidariedade e a mobilização do município já são históricas.
Esse será a terceira condução de venezuelanos de Roraima para o Amazonas. Em maio, 164 imigrantes do país já tinham chegado em Manaus.