Manaus – Mais consciência política, fortalecimento da democracia participativa e o combate à corrupção são pontos chaves para evitar que ocorra, novamente, um golpe militar em nosso País, apontam estudiosos do tema e militantes políticos que viveram o período do regime militar.
A discussão é incentivada porque, nesta segunda-feira (31), em todo o País, ocorrem manifestaçõs e eventos para lembrar os 50 anos do Golpe Militar de 31 de março de 1964.
Para o professor aposentado do curso de História da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Aloísio Nogueira, deve ser intensificado o nível político da sociedade para que não tenhamos risco de um golpe militar nos dias atuais. “Hoje, infelizmente, há uma cooptação dos movimentos sociais pelo governo federal. Devemos fortalecer a sociedade civil para evitar um golpe e combater, sobretudo, uma maior exploração do capital”, opinou Nogueira.
Para a professora do curso do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia da Ufam, Selda Vale da Costa, conhecer os abusos e torturas que aconteceram durante a ditadura é essencial para que não se repitam os erros. “Assim evitaremos que a história não se repita. Também penso que seria importante que os meios de comunicação ajudem a informar melhor a população sobre este período”, avaliou.
De acordo com a professora, a juventude atual está muito apática às discussões políticas. “Todos estão muito pouco ativos, temos a impressão de que os jovens estão apenas consumindo as ideias que são projetadas por vários meios. Ou seja, alguém vai fazer por eles o que eles próprios deveriam fazer, como buscar informações e criar uma consciência própria. Me parece que há uma omissão muito grande”, criticou Selda.
O antropólogo Ademir Ramos opinou que o golpe militar é um ‘fantasma na América Latina’. “Toda as vezes que se perde a perspectiva no amanhã, busca-se algum porto seguro. E esta direita empresarial, além desta esquerda burra, acha que só um governo forte é capaz de dar seguridade ao grande investimento do capital”, avaliou o antropólogo.
Para Ramos, as condições do Brasil não estão adequadas para a instauração de um regime ditatorial, mas apontou o risco do atrelamento dos movimentos sociais. “É preciso romper com esta tradição do governo petista de cooptar as entidades da sociedade civil aos seus interesses. Este é o nosso ponto nevrálgico. Sendo o PT um partido de base, ao invés de fortalecer a autonomia dos movimentos populares, o partido atrelou os movimentos a sua vontade e ao seu poder. Como se muda isto? Através dos movimentos de rua, das manifestações”, destacou Ramos.
O combate à corrupção e o fortalecimento das instituições políticas são apontados pelo advogado e jornalista Paulo Figueiredo como soluções. “Para evitar um novo golpe militar, temos que encarar o regime democrático com responsabilidade, porque temos, hoje, uma classe política no Brasil que não se dá o respeito. A corrupção é, hoje, a maior ameaça à construção de um País democrata e de instituições sólidas. Há hoje, no País, uma relação extremamente promíscua no seio da classe política que, na minha opinião, corrói o sistema representativo. Com a falência das instituições democráticas, tem-se a oportunidade de aventuras golpistas que podem, concretamente, ameaçar a existência e consolidação do regime democrático”, disse.
Perseguições
Estudantes e militantes políticos do Amazonas também foram alvos de perseguições e torturas durante o regime militar. É o caso do sociólogo Thomaz Antônio da Silva Meirelles Neto. Natural de Parintins, Meirelles Neto é o único amazonense oficialmente listado na relação de desaparecidos políticos do regime militar.
Desaparecido no Rio de Janeiro, em 1974, o amazonense estudou sociologia na Universidade de Moscou e, já de volta ao Brasil, fez parte da Aliança Libertadora Nacional (ALN) e do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Em 1970, Thomaz foi preso e torturado pelos militares, no Rio de Janeiro, sendo liberado três anos depois, quando ingressou na luta clandestina.
De acordo com o seu primo, Baldino Meirelles, durante muito tempo, ele sofreu com as consequências das torturas sofridas nas mãos dos militares. “Ele foi tão torturado que, por causa das feridas nas articulações, se rastejava e não reconhecia as pessoas. Levou tanta pancada que, em alguns momentos, os militares pensavam que já havia morrido”, revelou.
Thomaz teve sua morte reconhecida em declarações de um agente da repressão. O livro ‘Brasil Nunca Mais’ retrata a primeira prisão de Thomaz, em 1972, e o julgamento que o condenou a três ano e meio, como caso ilustrativo do funcionamento tragicômico da Justiça Militar naquele período. Diz a acusação: “Nove anos passados na União Soviética servem de prova da intenção de delinquir”.
Erros da ditadura são repetidos hoje, diz dirigente
O presidente do Comitê Estadual de Direito à Verdade, Memória e Justiça do Amazonas, Egydio Schwade, afirmou que erros cometidos durante o regime militar no Estado estão sendo repetidos no regime democrático. “Em relação aos povos indígenas, por exemplo, ainda estamos passando estradas por terras de povos indígenas e construindo hidrelétricas inudando, terras sem respeito nenhum, como se tudo fosse um vazio geográfico, como falavam os militares. Tinha aquele slogan: ‘Vamos dar a terra sem homem ao homem sem terra’, o que não era verdade, pois tinha os indígenas ali. Tudo isto é muito grave”, opinou o indigenista Egydio.
Scwade ainda teceu críticas à Comissão Nacional da Verdade que, segundo ele, se limitou aos casos de mortes e torturas de militantes de esquerda ocorridos em outras regiões do país. “Infelizmente, a região amazônica e as mortes dos indígenas são fatos que estão sendo esquecidos pela Comissão Nacional. Creio que o motivo são os grandes eventos, como a Guerrilha do Araguaia. Mas eu acredito que o que aconteceu aqui foi muito mais grave e a sociedade, em todas as regiões do Brasil, ainda não se seu conta deste acontecimento”, avaliou.
O Comitê Estadual da Verdade, Memória e Justiça no Amazonas entregou, em outubro de 2012, um relatório sobre o massacre de 2 mil indígenas da etnia Wamiri-Atroari à Comissão Nacional da Verdade.
O relatório foi resultado de pesquisas de Schwade e descreve como ocorreram os assassinatos de pessoas e de aldeias inteiras do povo Waimiri-Atroari, nos quais estiveram envolvidos agentes das Forças Armadas do Amazonas e Funai, durante a construção de um trecho da BR-174 e da hidrelétrica de Balbina. Na época, Schwade participava na alfabetização dos índios Wamiri-Atroari.
Thiago de Mello revela perplexidade
O poeta amazonense Thiago de Mello afirmou que ficou perplexo quando soube do Golpe Militar do Brasil. “Fiquei estarrecido e perplexo. A indignação veio depois. Ao saber o que estava acontecendo pensou: este povo não é o meu”, disse Mello, ao revelar que recebeu a notícia do movimento dos militares quando estava no Chile. “Soube do até então senador chileno Salvador Allende” (em 1971, Allende se tornou presidente do Chile e, em 1973, foi derrubado do poder através do Golpe Militar, comandado pelo general chileno Augusto Pinochet).
Duas semanas após o Golpe no Brasil, ainda no Chile, Thiago de Mello escreveu o tão consagrado poema de sua autoria ‘Estatuto do Homem’.
Ao ser questionado sobre o que mais marcou durante o regime militar, Thiago preferiu lembrar do movimento pelas eleições diretas. “Eu prefiro ir para o fim e não para o cárcere, onde já estive. Eu sempre achei que o povo iria fazer o seu papel. E fez. A ditadura foi derrubada pelo povo, dois milhões e meio de pessoas na Praça da Sé, em São Paulo, e mais de dois milhões e meio de pessoas na (Praça da) Candelária, no Rio de Janeiro, gritando ‘Eleições Diretas Já!’”, lembrou e completou: “Este é o meu povo!”, ressaltou.
Após o golpe no Brasil, Thiago afirmou que conversou, ainda no Chile, com Salvador Allende e o poeta chileno Pablo Neruda. “Neruda acreditava que até as donas de casa iriam se erguer contra os militares, mas se enganou profundamente”, comentou.