Entrevista: professor ajuda a recuperar história de Manaus

O doutor em História do Amazonas e professor da Universidade Federal do Amazonas, Auxiliomar Silva Ugarte teve papel fundamental para o apoio à pesquisa de resgate do Brasão de Manaus

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Auxiliomar Silva Ugarte aponta que o escudo de Manaus foi criado em 1906 (Foto: Divuylgação)

Manaus – Com profundo conhecimento dos fatos que constituem a origem de Manaus, desde a chegada dos estrangeiros, e do próprio Estado, em tempos de Descobrimento, o doutor em História do Amazonas e professor da Ufam Auxiliomar Silva Ugarte teve papel fundamental para o apoio à pesquisa de resgate do Brasão de Manaus. Ele justifica o porquê foi necessário substituir elementos que erroneamente constavam no símbolo da cidade.

Com todo o seu conhecimento sobre a história local, explique um pouco sobre o surgimento do Brasão de Manaus?

O brasão é um símbolo que identifica grupos, famílias ou locais. O escudo da cidade de Manaus foi utilizado, pela primeira vez, em 1906, por Adolpho Guilherme de Miranda Lisbôa, superintendente municipal, quando constatou que Manaus não tinha um símbolo representatividade como outras municipalidades que formavam o Estado do Amazonas. O decreto que instituiu o Brasão de Manaus, de 17 de abril de 1906, dá as orientações para a sua criação. Na parte superior, está a data de ‘21 de Novembro de 1889’, dia em que a cidade aderiu à Proclamação da República.

O que compõe o Brasão de Manaus?

De acordo com o decreto de 1906, o brasão apresenta nas duas partes menores de seu desenho o Encontro das Águas, com a expedição de Francisco Orellana, e a fundação de Manaus, com a fortaleza construída pelos estrangeiros, as casas de palha – como primeiras habitações – e duas figuras centrais, representadas por um colonizador e uma nativa; Na parte maior, um trecho do rio, tendo em relevo, na frente, uma seringueira, árvore símbolo da economia de Manaus no apogeu do ciclo da borracha.

O que mais mudou nessa reorganização e resgate do Brasão?

No trabalho destaquei que os bergatins, as canoas dos descobridores, que estavam em local errado, no primeiro quadrante. A bandeira do segundo quadrante era a atual de Portugal e não a da época colonial, do Descobrimento. E a árvore do quadrante maior era uma castanheira e não a seringueira, de onde se obtém a goma.

Sobre essa disposição dos acontecimentos, no primeiro quadrante estava a expedição de Francisco Orellana, retratando o primeiro registro do Encontro das Águas, é isso?

Sim. Francisco Orellana foi o responsável pelo primeiro registro histórico feito no Amazonas. Mais precisamente em 3 de junho de 1542, quando os espanhóis comandados por Orellana tiveram a grata surpresa de observar aquele que veio a se tornar o mais famoso encontro de águas do Norte brasileiro, o encontro das águas do Rio Negro com o Rio Solimões.

No segundo quadrante é onde encontramos mais elementos da nossa história?

Primeiramente, esse segundo quadrante traz a construção do forte de São José do Rio Negro, muito provavelmente sua conclusão se deu em 1669, segundo os estudos mais abalizados do historiador Arthur Cézar Ferreira Reis. Há, ainda, dois elementos nele que representam a união entre portugueses e indígenas. Trata-se do casamento de uma filha do cacique com o comandante da Escola Militar Portuguesa. A história mostra que ocorreu muito depois da construção do Forte e já indicava esse processo de aliança entre os adventistas estrangeiros e os povos nativos da região do Rio Negro.
Ainda neste mesmo quadrante, há outros desenhos de casas de palha, que representam os primeiros habitantes que passavam a circundar o forte do Rio Negro. Era uma povoação muito humilde.

E no quadrante maior temos a representação da riqueza do Estado e o que levou Manaus ao seu apogeu?

Essa é a divisão maior do brasão, fazendo referência à espécie botânica hevea brasiliensis, vulgarmente conhecida como seringueira. Ela foi colocada no escudo por representar a atividade maior da economia do Amazonas, no começo do século 20, cujo resultado da extração tornou Manaus uma cidade opulenta, rica.
Tendo como exemplo essa riqueza, destacamos os grandes monumentos e espaços construídos na cidade, como o nosso famoso Teatro Amazonas, o Palácio da Justiça e o próprio ordenamento urbano de Manaus. Tudo isso foi financiado com o dinheiro da economia gomífera, notadamente da hevea brasiliensis. Por isso, há o destaque que indica uma euforia existente no início do século 20 por conta desse produto extrativista que era muito consumido nas indústrias europeias e indústrias norte-americanas e que demandava a produção nas selvas brasileiras. Parte dessa produção passava necessariamente por Manaus.

Certo, terminando essa descrição dos elementos do brasão resgatado, que representações nele foram encontradas ao longo de centenas de anos?

Podemos encontrar brasões nas representações mais díspares, nenhum deles fidedigno ao Decreto de 1906. No Paço da Liberdade, Mercado Adolpho Lisboa e no Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA) há representações diferentes. O próprio decreto original, do superintendente Adolpho Lisbôa, foi encontrado apenas em um livro, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e em uma edição do Diário Oficial do Estado, no acervo do Centro Cultural dos Povos da Amazônia.

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