Dia das Mães

Alertaram-me para que domingo é o Dia das Mães.

Alertaram-me para que domingo é o Dia das Mães. Cheguei a pensar que a coisa não era comigo. Afinal, faz mais de vinte anos que, num 11 de agosto, dona Lucíola morreu. Foi-se com ela a imagem da mãe aguerrida, sempre atenta na defesa de sua manada, que ela, desde muito tempo, teve de conduzir sozinha. O professor Valois partiu bem cedo. Deixou-nos sem nenhuma riqueza material e a ela, àquela mulher que não havia completado o ginásio, descendente dos macuxis, a ela coube a monumental tarefa de nos alimentar e suprir. Foi corajosa. Nunca se intimidou diante das intempéries e levou a cabo sua missão com uma energia surpreendente. Depois da viuvez, ninguém mais a viu que não fosse vestindo preto e branco. No peito, o camafeu com a imagem do amor de sua vida, nunca substituído ou esquecido.

Assim foi dona Lucíola de Magalhães Coelho, minha mãe. Na memória dela eu quero sublimar o meu respeito e a minha admiração por todas as mulheres que, num mundo aterrador, têm a coragem de reproduzir. Fazer viver um ser humano é o que de mais transcendental se pode esperar da espécie. Mas é preciso dele cuidar e prepara-lo para as hostilidades e contradições sem as quais não se pode conceber a vida.

O que há de sublime na maternidade se expressa no próprio ato de parir. Nesse momento, a igualdade é indiscutível. Pouco importa que feto venha a ser envolto em seda ou em trapos, ali há, em qualquer caso, a essência da continuação da humana lida. Depois, a coisa se esgarça. Enquanto uns vão conhecer a maciez de cetins e veludos, outros estarão destinados ao catre imundo, onde até a dignidade tende a desaparecer. Mas em todos, uma coisa comum: é no seio materno que vão buscar o alimento essencial. É a mãe continuando a ser o centro da vida.

Não quero ser reducionista, mas me parece extremamente prosaico homenagear as mães dedicando-lhes um dia, que, no final das contas, acaba aparecendo no calendário como simples incrementador de atividades comerciais. Mais justo seria, no meu modesto sentir, que tomássemos mais consciência da importância do papel que essa figura ocupa no contexto de uma sociedade de classes.

É certo que, ricas ou pobres, são todas mães. Cuido que mais ou menos dinheiro não influi na intensidade do que se conhece como “amor materno”. Teórica e idealmente, até acho que se pode aceitar essa concepção. Mas também me parece que seria profundamente injusto não reconhecer as brutais e indiscutíveis diferenças que se estabelecem no próprio desenrolar da vida. Lá está a criança bem alimentada, bem saudável, e aqui está a criança esquelética, à qual falta o mínimo de suplemento alimentar. A mãe daquela tem tudo para ter alegria. A outra, convenhamos, deve conhecer muito mais angústia e sofrimento. É que onde está a injustiça, a felicidade não pode medrar.

Não quero, pois, me untar com o sentimentalismo barato dos que tributam homenagens superficiais. Ouso ir mais longe: quero que todas mães saibam que reverbera em mim a mais profunda gratidão por tudo o que pude receber da minha mãe. E entendo que não é demais desejar que todos os filhos possam olhar para suas mães e sentir o mesmo orgulho e o mesmo respeito que continuo sentindo por dona Lucíola.

É bem certo que, seja qual for o júbilo que a data possa despertar, hoje está embaçado. Centenas de mães estão pranteando seus filhos, vitimados pela tragédia climática do Rio Grande do Sul. Juntemos nosso pranto ao delas, manifestando a solidariedade fraterna, indispensável em qualquer sociedade que se pretenda civilizada.

Na medida do possível, feliz Dia das Mães.