Época houve em que ser advogado era motivo de orgulho e conferia um efetivo “status”. Não cuido de privilégios, inadmissíveis em qualquer tempo e em qualquer circunstância. Falo apenas do respeito e consideração devotados aos profissionais do ramo, quando, é preciso ponderar, não havia uma faculdade em cada esquina, funcionando apenas com a documentação necessária para a abertura de um botequim ou de uma taberna. O ensino do direito tinha parâmetros rígidos, bem antes de ser atingido pela devastação operada na ditadura de 64 e muito antes do tsunami empreendido por sucessivos governos, reduzindo a educação à prioridade zero.
Manaus, onde o primeiro curso de direito tem existência mais que centenária, contava com advogados da mais alta qualificação e destaque, mesmo sendo uma província longínqua, com uma população que mal chegava aos cem mil habitantes. Na sede da OAB/AM há, por exemplo, uma foto do doutor Waldemar Pedrosa, que presidiu a instituição pouco depois de ser ela criada, lá pelos anos trinta do século passado. Chegou a ministro de um tribunal superior da República e, quando o conheci, já na velhice avançada, era o protótipo do jurista: culto e sem afetação.
Do meu dia-a-dia como acadêmico de direito e como advogado iniciante, guardo recordações marcantes das figuras que povoavam o fórum da capital, ali na avenida Eduardo Ribeiro, no mesmo prédio onde funcionava o Tribunal de Justiça. Não dá para esquecer, só à guisa de exemplo, o doutor Adriano de Queiroz. Catedrático de direito civil em nossa velha escola, era um mestre, no sentido mais profundo que o termo possa transmitir. Linguagem escorreita, raciocínio arguto, suas peças profissionais mereciam compor uma antologia de textos jurídicos.
Ainda na seara civilista, eram de proa os doutores João Martins da Silva e José Bernardino Lindoso. Mantinham escritório conjunto na avenida Sete de Setembro e sua clientela lhes proporcionava causas de alta complexidade, exigindo profundo conhecimento da ciência de Ulpiano. Ambos eram de impecável lhaneza e suas presenças nos corredores forenses era a certeza de que se estava a discutir algo da mais alta indagação jurídica. O doutor Lindoso, que também era professor de direito civil, enveredou pela política, tendo sido, inicialmente, deputado federal. Nessa condição, teve a coragem cívica de visitar no cárcere da rua Marechal Deodoro, doze estudantes presos pela ditadura.
O doutor Lúcio Fonte de Rezende era outro monstro sagrado do direito civil, no que manteve a imagem de seu pai, doutor Análio de Rezende, e a transmitiu ao filho, doutor Jorge de Rezende Sobrinho. Deste, fui colega ainda no Colégio Estadual do Amazonas e posso afirmar que seu único defeito foi ter morrido cedo demais, quando estava no auge da carreira como advogado e professor.
No direito tributário, praticamente não havia concorrência para o doutor Manoel Otávio Rodrigues de Souza. Seu escritório, na rua Barroso, onde atuava juntamente com os doutores Fernando Coimbra e Arnoldo Coimbra, era local de convívio obrigatório de empresários de todos os ramos, sempre às voltas com as infindáveis e kafkianas exigências do fisco brasileiro. Lembro-me de que, quando era eu vice-prefeito desta cidade, ele concedeu uma entrevista sobre os incentivos fiscais da zona franca. Foi uma aula brilhante. Enviei-lhe um memorando agradecendo pela lição e manifestando “honrado por ter sido seu aluno”.
Na mesma rua, morava e tinha escritório o doutor Nonato de Castro, que militava diuturnamente no direito criminal, área em que se destacava também o doutor Vivaldo de Barros Frota. Não há como deixar de mencionar, nesse campo específico, o doutor Milton Augusto Assensi, figura mais que simpática, careca como eu, e que contagiava com a sua alegria de viver. E como esquecer o doutor José Baptista Vidal Pessoa? Ainda muito jovem, firmou-se como figura emblemática da advocacia, transformando seu escritório, na esquina da Henrique Martins com a Eduardo Ribeiro, em ponto de peregrinação de novéis colegas.
Tenho que terminar lembrando o doutor Aristófanes de Castro. A advocacia criminal no Amazonas nunca mais foi a mesma sem a sua presença. Jurados e plateia se quedavam extasiados quando sua voz poderosa rompia a madrugada, em sessão do tribunal popular, na defesa, a mais das vezes, de algum pobre coitado, que nem podia aquilatar a sorte de ter como patrono o melhor advogado criminal do Estado. Era assim mestre Aristófanes de Castro. Eloquente, brilhante, irreverente, e digo, sem medo de errar, que, tivesse eu de homenageá-lo com apenas quatro palavras, enunciaria enfaticamente: ele foi O ADVOGADO. Por quê? – haveriam de me perguntar. E eu responderia: porque nele era possível encontrar tudo o que é desejável em nossa profissão: conhecimento jurídico, redação impecável, discurso fácil e, acima de tudo, ética, sem a qual é possível ser até diretor da Petrobrás, menos advogado.