Pela passagem do dia da mulher, parabenizo a todas pelas conquistas. Sem radicalismos, as datas comemorativas têm o condão de manter vivas as grandes causas e não deixar que debates importantes arrefeçam. Ao contrário daquelas que rejeitam as flores, eu prefiro aceitá-las de bom grado e no meu lugar de fala, pontuar o que acredito deva ser criticado. As flores nada fizeram, não cometeram feminicídio, não diminuíram salários, não espancaram, não reverberaram a cultura do estupro. O patriarcado o fez. Assim como os memorias erguidos em decorrência de eventos trágicos não fazem apologia aos horrores que motivaram sua construção, mas estão ali para reavivar a memória da humanidade e evitar que se repitam, o dia das mulheres está aí para contabilizarmos as conquistas que nos servem de combustível e respirarmos fundo para lutar pelo que falta ser alcançado. E tudo bem se não quiseres as flores e as congratulações, eu respeito a forma como lidas com os sentimentos e as dores que carregas. Somos seres individuais e diversos até na forma como lidamos com nossos sentimentos e enxergamos o mundo. Respeito é o que todas nós merecemos na nossa diversidade.
Já ouvi inúmeras vezes que o feminismo não me cai bem, que não tenho “cara” de feminista, como se isto fosse possível. Este pensamento talvez decorra da confusão que se faz ao tratar o feminismo como antônimo de machismo, o que de certo é feito por puro desconhecimento. Enquanto o feminismo é um movimento que combate a desigualdade de direitos entre mulheres e homens, o femismo sim, é o antônimo de machismo e prega a supremacia da mulher em relação ao homem, o que obviamente, não se pretende. E daí decorrem muitas distorções.
Sou feminista quando defendo a igualdade salarial e de oportunidades entre homens e mulheres; quando defendo que mulheres não podem morrer apenas pelo fato de serem mulheres e não podem ser espancadas pelo mesmo motivo. Sou feminista quando defendo que não preciso me vestir como um homem para ocupar espaços de poder e quando dou voz a mulheres que não tiveram as mesmas oportunidades que eu tive.
Para desmistificar, a forma como se dividem as tarefas domésticas não necessariamente determina incidência de machismo, mas ocorrerá o machismo se a mulher for obrigada a exercê-las com exclusividade, contra a vontade, ou impedida de trabalhar se ela assim o quiser. Eu, por exemplo, tenho muita identidade com tarefas domésticas e isto não me impede de exercer as tarefas intelectuais inerentes ao meu trabalho e hobbies.
A violência de gênero atinge a todas as mulheres. Refiro-me à violência física, psicológica, moral, sexual, patrimonial e política, bem como, faço referência a mulheres de todas as classes sociais, de todas as raças, de diferentes níveis de escolaridade, de diferentes religiões, de esquerda ou de direita. Ao fim e ao cabo, todas sofrem as mesmas dores, apanham igual e morrem a mesma morte trágica, então é melhor falarmos sobre o assunto.
E finalmente, para concluir, gostaria de dizer, de mulher para mulher, que espero ver chegar o tempo em que possamos nos desvencilhar deste ambiente de competitividade que nos fizeram entender como normal. Precisamos mudar a maneira como tratamos umas as outras. Sororidade e empatia são conceitos que devem ser aplicados no trato cotidiano. As piores barreiras que transpassei foram impostas por mulheres que estavam em posição de comando e não apenas isto, estavam em ambientes onde se escondiam atrás de um discurso feminista, erudito e bem colocado. Devo dizer que também já fui ajudada por grandes mulheres que me estenderam a mão em momentos difíceis, o problema está nas laranjas podres. Aguardo ver chegar o dia, em que as laranjas podres sairão do discurso, afinal, estamos em constante evolução.
Chegar ao topo não significar querer ser a “abelha rainha” e boicotar as demais, o céu está repleto de estrelas e todas brilham. Acender a chama de outra mulher não apagará sua. Na vida, todas teremos mais afinidade com determinados grupos de pessoas e menos afinidade com outros, mas respeitar as diferenças é essencial. Também é essencial respeitarmos o espaço umas das outras. Não são as semelhanças ou as diferenças que nos aproximam ou repelem; a competitividade ou a inveja, que devem nortear nossas atitudes. Que possamos nos pautar por valores mais elevados, que não nos reduzam ao porão da pobreza de espírito.
Gabriela Barile Tavares, especialista em direito eleitoral pelo Instituto Brasiliense de Direito Público.