O Tribunal Superior Eleitoral cassou o mandato do parlamentar Marcelo de Lima Fernandes (PSB-SP) por infidelidade partidária e por maioria de votos (5 a 2), nos autos da ação movida pelo partido Solidariedade, sigla pela qual o parlamentar foi eleito em 2022 (autos de número 0600118-15.2023.6.00.0000).
A Lei dos Partidos Políticos determina que “perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito.” Este dispositivo sedimenta o princípio da fidelidade partidária, que não se aplica aos cargos majoritários segundo entendimento sumulado do TSE: “A perda do mandato em razão da desfiliação partidária não se aplica aos candidatos eleitos pelo sistema majoritário.”
Assim, a desfiliação injustificada dos eleitos pelo sistema proporcional causa a perda de mandato, mas se houver justa causa, será possível a manutenção do mandato. Neste artigo abordarei apenas as hipóteses de justa causa constitucionais previstas no Art.17 § 5º e § 6º, deixando para outra oportunidade, aquelas previstas em lei. As hipóteses de justa causa constitucionais são respectivamente: justa causa para desfiliação de partido que não preencheu os requisitos da cláusula de desempenho e justa causa decorrente da apresentação de carta de anuência do partido concordando com a desfiliação. A escolha se deve a correlação com o processo que cassou o mandato do Deputado Federal Marcelo Lima.
Talvez o leitor esteja se perguntado por que a porta da rua nem sempre é serventia da casa quando se trata de mudança de partido com a manutenção do mandato eletivo. Explico: quando da campanha eleitoral, o partido político desembolsa recursos do fundo partidário e eleitoral para construir a robustez do nome dos candidatos e da sigla, reservando aos candidatos tempo de propaganda gratuita de rádio e TV, disponibilizando sua estrutura política e financeira para que se obtenha êxito no pleito. Logo, não é justo que após a eleição, o detentor do cargo eletivo decida simplesmente mudar de partido levando consigo o mandato, pois, isto prejudica a agremiação de inúmeras formas, refletindo na sua representação parlamentar. É injusto ainda, sob a perspectiva de que muitos são eleitos pelo voto de legenda (voto que é dado ao partido e não ao candidato).
No caso em tela, o parlamentar eleito pelo Partido Solidariedade decidiu desfiliar-se para ingressar nos quadros do PSB, sob o argumento de que o partido não teria alcançado a cláusula de desempenho e portanto não teria direito aos recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão, o que seria uma justa causa para a desfiliação permitida pelo ordenamento jurídico pátrio. Apresentou ainda uma carta de anuência que foi contestada pela parte contrária e considerada inválida, uma vez que, expedida em desconformidade com o estatuto partidário e por meio de órgão municipal, no ato presidido pelo próprio deputado, também beneficiário.
Para o relator, Ministro Ramos Tavares, apesar do Solidariedade não ter preenchido os requisitos da cláusula de desempenho previstos no §3º do Art. 17 da Constituição Federal nas eleições de 2022, o partido superou a cláusula de barreira quando da incorporação do Partido Republicano da Ordem Social (Pros) pelo Solidariedade, em fevereiro de 2023, passando a ser injustificável a migração, pois, a incorporação seria garantidora dos recursos do fundo partidário e tempo de rádio e televisão.
O relator ressaltou que o deputado comunicou sua desfiliação ao partido no mesmo dia da incorporação, porém, o comunicado ao juízo eleitoral ocorreu apenas no dia seguinte, após a incorporação ter operado juridicamente seus efeitos. Nos termos do Art. 24 da resolução n. 23.596 do TSE, a desfiliação é composta de dois atos, comunicação ao partido político e a Justiça Eleitoral. No caso do deputado, a comunicação a Justiça Eleitoral foi intempestiva, posterior a incorporação. Isto posto, para o relator, o parlamentar ainda estava vinculado ao Solidariedade quando a cláusula de desempenho foi superada e o direito para migração deixou de existir. O acórdão determinou a comunicação imediata da decisão a mesa diretora da Câmara dos Deputados, independentemente de publicação.
Cabe recurso da decisão, contudo, o descuido do deputado na observação do lapso temporal necessário trouxe-lhe prejuízos irreparáveis. Não é demais aclarar que não há previsão legal de inelegibilidade por infidelidade partidária, logo, apesar de cassado por infidelidade partidária, nada impede que Marcelo Lima concorra, por exemplo, nas eleições de 2024, se assim desejar. Consulte sempre a advogada ou advogado de sua confiança.
*Gabriela Barile Tavares, especialista em direito eleitoral pelo Instituto Brasiliense de Direito Público