O plenário do Supremo Tribunal Federal julgou por meio de sessão virtual na última sexta-feira (10/02/2023), a ADI- Ação Direta de Inconstitucionalidade 7019 contra lei estadual de número 5123/2021 do Estado de Rondônia que proibia a utilização da denominada linguagem neutra. A lei foi julgada inconstitucional por um placar de 11 votos a 0.
A linguagem neutra ou não binária, é uma abordagem da linguagem que busca evitar a utilização de termos que possam perpetuar estereótipos de gênero, raça, orientação sexual, entre outros (fonte: ChatGPT). Segundo se extrai de decisão no bojo da ADI 7019, de relatoria do Ministro Luiz Edson Fachin, a chamada “linguagem neutra” ou ainda “linguagem inclusiva” visa combater preconceitos linguísticos, retirando vieses que usualmente subordinam um gênero em relação ao outro.
A lei 5123/2021 do Estado de Rondônia determinava em seu art. 3º, julgado inconstitucional pelo STF, que: “fica expressamente proibida a denominada “linguagem neutra” na grade curricular e no material didático de instituições de ensino publicas ou privadas, assim como em editais de concursos públicos.”
Ocorre que, a decisão do STF teve como pano de fundo a questão da competência para legislar a norma em tela e não analisou o mérito, entenda-se, a Corte não analisou se a linguagem neutra deve ou não ser utilizada, imposta ou proibida; se a linguagem neutra é constitucional ou não. O STF não decidiu que a linguagem neutra deve ser adotada imediatamente nas escolas, mas, julgou tão somente, a questão formal referente à elaboração da norma.
Explico. Uma lei pode ser inconstitucional por problema decorrente da forma como foi elaborada (vício formal), pelo conteúdo (vício material), ou por ambos. Aqui, de forma o menos técnica possível, explico o que ocorreu no caso vertente. O Estado de Rondônia legislou sobre matéria que competia a União legislar. Quando digo União, refiro-me então, ao Congresso Nacional. A Constituição define o papel de cada ente federativo. Todos os entes tem autonomia para normatizar dentro das competências pré-estabelecidas no texto constitucional, sem que seja tolerada a invasão de competências.
No voto, o Ministro Fachin explicou que os Estados têm competência concorrente para legislar sobre educação, mas devem obedecer às normas gerais editadas pela União. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996) engloba, segundo a jurisprudência do STF, as regras que tratam de currículos, conteúdos programáticos, metodologia de ensino ou modo de exercício da atividade docente.
Assim, a tese aceita aponta um vício formal orgânico na elaboração da Lei 5123/2021 editada pelo Estado de Rondônia, que seria constitucional se elaborada e aprovada pelo Congresso Nacional.
O Ministro Nunes Marques oportunamente acrescentou que “norma estadual que imponha ou proíba modalidade de uso da língua portuguesa, diversa da norma padrão estabelecida, viola a competência legislativa da União”. Ou seja, não apenas a norma estadual que proíba o uso da linguagem neutra será inconstitucional, mas aquela que obrigue seu uso, também o será. O Estado não pode proibir, mas também não pode impor. Trata-se de competência do Congresso Nacional.
O Ministro André Mendonca pontuou ainda, que “norma estadual ou municipal que disponha sobre a língua portuguesa viola a competência legislativa da União”, registrando divergência que se adianta em relação à proibição que se estende não apenas ao Estado, mas também ao Município.
O uso da linguagem neutra divide opiniões e não pretendo cometer açodamento que influencie o leitor. Deixarei as questões no ar para reflexão. Há quem defenda seu uso para promover a inclusão de uma parcela da população que precisa dela, pessoas que questionam seu gênero e desejam mudar a gramática normativa por ser machista e elitista. O que está longe de ser um debate simples encontra opositores que defendem a proteção da língua portuguesa como idioma brasileiro constitucionalmente previsto (CF, Art.13), que já comporta a forma neutra sem necessitar de alterações, considerando que acrescentar uma nova variante a língua portuguesa, já mal falada e mal escrita no país, seria um complicador para a maioria da população que sequer seria capaz de aplicar o novo método. Permitir o ensino da linguagem neutra usurparia dos estudantes o direito de aprender a normal culta e a forma correta de empregar a língua portuguesa.
Penso que o Congresso Nacional deva promover debates sobre o tema, ouvindo especialistas e a sociedade civil, para que seja alcançado o ideal democrático quando da resolução do problema.
*Gabriela Barile Tavares, especialista em direito eleitoral pelo Instituto Brasiliense de Direito Público