1. Introdução: A História, o Espelho e a Farsa
“A história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.”
Atribuída a Karl Marx — pensador com cujas ideias nutro profunda aversão —, essa frase, no entanto, resiste a qualquer refutação honesta.
E aqui reside uma lição filosófica importante: mesmo os que propuseram sistemas deletérios foram, por vezes, capazes de intuições agudas e dolorosamente verdadeiras.
Esta é uma delas.
Marx não denunciava apenas a repetição dos fatos — denunciava a repetição sem substância, a transformação do destino em paródia, da dor em simulação.
Na tragédia, o homem cai porque ousou se erguer — e paga o preço do embate com o limite.
Já na farsa, ninguém cai: apenas escorrega entre palcos e aplausos, sem sequer lembrar por que subiu.
Se a tragédia eleva pela dor, a farsa rebaixa pelo riso vazio. E talvez não haja diagnóstico mais exato para o Brasil de hoje.
Getúlio Vargas e Luiz Inácio Lula da Silva.
Ambos ungidos — por conveniência ou por cálculo — com o título simbólico de “pai dos pobres”.
Ambos forjados, à sua maneira, na imagem do “homem do povo”. Ambos com trajetória marcada por tensão — e, não raro, desdém — diante das instituições democráticas que deveriam limitar o poder.
Mas a semelhança termina onde a consciência começa. O que há de comum entre ambos é casca — o que os separa é essência.
Getúlio, com todos os seus equívocos, buscava conciliar o povo com o Estado, a autoridade com a construção de um projeto nacional.
Lula, ao contrário, transforma o Estado em espelho — e o povo em plateia. E é a partir daí que a farsa começa: quando o governante deixa de construir uma nação e passa a construir uma narrativa.
É verdade que Lula emergiu do chão de fábrica, e que sua trajetória sindical o projetou como representante das classes trabalhadoras no Brasil industrializado do final do século XX.
Mas desde o início, sua liderança foi menos marcada pela coragem da ruptura do que pela esperteza da acomodação.
Negociador hábil, soube calibrar o confronto e o recuo conforme o termômetro político — muitas vezes mais próximo do patronato do que dos operários que dizia representar.
Seu sindicalismo não foi resistência autêntica — foi porta de entrada para o jogo do poder institucionalizado, onde as palavras soam mais alto que os princípios e o pragmatismo eclipsa a coerência.
E foi justamente aí que sua figura começou a ser moldada: não como líder de consciência crítica, mas como personagem simbólico de um novo enredo publicitário.
Um “homem do povo” incensado pela mídia progressista, embalado por slogans redentores e transformado em produto popular — sem substância, mas com narrativa.
Getúlio, por sua vez, construiu sua imagem não com slogans, mas com estruturas. Errou — e muito. Foi autoritário, centralizador, e ideologicamente influenciado pelo fascismo europeu.
Mas sua figura nasceu do conflito entre o Brasil que existia e o Brasil que ele pretendia fundar. Foi um homem da modernização conflitiva, não da simulação pacífica.
Lula, ao contrário, nasceu da conveniência de um Brasil que se cansou de pensar — e escolheu se emocionar.
Se Getúlio encarnava uma tentativa trágica — e por isso dramática e elevada — de conciliar oligarquia e povo, tradição e modernidade, capital e trabalho, Lula é a caricatura pós-moderna dessa figura: o “estadista” fabricado por marqueteiros, sustentado por slogans emocionais e blindado por um establishment jurídico-partidário que subverteu os freios da República para protegê-lo como ídolo de ocasião.
Getúlio era complexo, contraditório e ambivalente — um homem que avançou e errou, construiu e destruiu.
Lula é simples demais para ser trágico.
É farsesco desde a origem: a revolução de boteco, o sindicalismo negociado, a retórica vazia com sotaque de palanque, o culto de si travestido de solidariedade.
Este ensaio propõe uma comparação entre os dois — não para absolver Getúlio, mas para desmascarar Lula.
Pois enquanto o primeiro lutava com monstros internos e sucumbiu à própria sombra, o segundo governa com a sombra, vive dela e alimenta-se dela — tudo sob aplausos de uma militância febril.
2. Origens e Formação: O Fabricante de Mitos e o Fabricado por Eles
Getúlio Dorneles Vargas nasceu em 1882 no interior do Rio Grande do Sul. Filho de estancieiros, cresceu sob a influência de um ethos rural aristocrático, marcado pela honra, pelo dever e pela centralidade do Estado como ordenamento da vida social.
Sua formação foi clássica: estudou Direito com afinco, absorveu o positivismo de Comte, a racionalidade de Montesquieu e a ideia de Estado forte de Maquiavel. Era um homem de biblioteca e gabinete, mas também de palanque e conflito.
O jovem Getúlio não ignorava os jogos de poder, mas via neles um meio para algo maior: um projeto nacional. Seu pragmatismo se orientava por uma visão de mundo na qual o Brasil precisava romper com a dependência primária-exportadora e ingressar na era da industrialização.
Nesse sentido, sua vida encarna a ideia aristotélica de que a ética está na harmonia entre o fim e os meios. Não basta fazer: é preciso saber por que se faz, e aonde se quer chegar. Getúlio errava, mas errava com propósito.
Foi conservador e reformista, ditador e presidente eleito, suicida e mito. Um personagem trágico, no sentido pleno que os gregos entenderiam: aquele que cai por ter ousado erguer-se além dos limites da condição humana.
Luiz Inácio Lula da Silva, por outro lado, nasce em 1945 no agreste pernambucano. Sua infância foi marcada pela pobreza e pela migração, como tantos brasileiros invisíveis do Nordeste.
Mas diferentemente de Getúlio Vargas, que ascendeu ao poder impulsionado por uma articulação político-militar em meio à crise da República Velha — tendo se preparado com sólida formação jurídica e demonstrado aptidão estratégica desde os tempos de ministro da Fazenda —, Lula chegou ao poder pelas vias do carisma popular, forjado na luta sindical e na imagem do operário autêntico.
Contudo, ao contrário de Getúlio, que moldou um projeto de Estado e articulou um pensamento político próprio, Lula não se destacou pela elaboração doutrinária ou pela erudição. Sua linguagem é rudimentar, sua retórica é essencialmente emocional, e sua visão de mundo, apesar de eficaz eleitoralmente, permanece marcada por antagonismos primários e simplificações ideológicas.
Sua trajetória sindical foi menos uma luta autêutica por direitos e mais um trampolim para o poder.
Enquanto Espinosa dizia que a liberdade nasce do conhecimento das causas, Lula apostou no controle das narrativas.
Longe de representar uma elevação da consciência operária, sua figura tornou-se um simulacro: o pobre elevado não pela virtude, mas pela vitimização midiática, o sindicalista que seduziu o capital com a retórica do povo.
Getúlio buscava integrar o povo ao Estado. Lula fez do Estado um refém de seu projeto pessoal. Aquele construiu instituições; este, desmontou-as em nome da permanência.
A inteligência estratégica de Vargas fundou a CLT, a Petrobras, o BNDES e uma identidade nacional trabalhista. Uma construção que, ainda que autoritária, tinha um telos civilizacional.
Já Lula, com esperteza populista, construiu o Mensalão, o Petrolão e a idolatria de um ídolo de barro blindado por discursos. Não criou um legado: criou um enredo onde o crime é redimido pela causa.
Como alertava Confúcio, “o homem nobre exige muito de si; o homem vulgar, dos outros”.
Getúlio se cobrou até a morte. Lula cobra dos outros a fé que jamais se deu ao trabalho de justificar. Um foi forjado na tensão entre o ideal e o real; o outro, moldado na manipulação entre o real e o simulacro. Um lutava para ser estadista; o outro, nem sequer aprendeu a representar um. Um escreveu a história com sangue e complexidade. O outro se fez contando vantagens — e contando versões.
3. A Relação com o Poder: Ditadura como Meio ou como Fim?
Há ditadores que tomam o poder como meio para realizar um projeto. E há aqueles que fazem do poder o fim em si mesmo — um vício que consome, degenera e dissimula.
Getúlio Vargas, com todos os seus erros, construiu um projeto de nação. O Estado Novo, embora autoritário, portava um propósito civilizacional: modernizar o país, industrializar a economia, articular um pacto trabalhista que unisse as massas e o Estado. A ditadura era o instrumento — não a finalidade.
Flertou com o fascismo em sua estética simbólica, como tantos governos da época, mas não foi genocida, tampouco sustentou uma ideologia totalitária. Não perseguiu a sociedade civil em nome da Revolução — perseguiu os que, a seu ver, impediam a construção de um Brasil moderno e soberano.
Aristóteles advertia que o tirano governa em proveito próprio, enquanto o rei governa para o bem comum. Getúlio, com todos os seus pecados, buscava este último ideal, ainda que por vias autoritárias e contraditórias.
Sua figura expressa o dilema clássico da política: unir ordem e progresso, estabilidade e justiça, autoridade e inclusão. É o drama de Antígona e Creonte em versão tropical — a tentativa impossível de conciliar lei e compaixão.
Lula, ao contrário, não persegue um projeto nacional — persegue a própria imagem refletida no espelho do poder.
O poder, para ele, não é ponte, nem instrumento. É trono, palco, altar. Sua permanência é fim, não meio. Seu discurso social é biombo — a ilusão de um redentor que acoberta o cinismo do conquistador.
Se Vargas sufocava a imprensa com censura explícita, Lula a neutraliza com publicidade milionária, verbas seletivas e alianças espúrias com grandes conglomerados. Vargas suspendeu partidos; Lula os compra. Vargas dissolveu o Congresso; Lula o dissolve moralmente com emendas bilionárias.
Não há mais tanques nas ruas. Há um sistema de simulação democrática, onde o povo vota — mas não escolhe. Onde a Justiça existe — mas só para os desafetos do rei. Onde a liberdade é garantida — desde que se cale.
Se Vargas governava com a espada sobre a mesa, Lula governa com a hipocrisia estampada no sorriso.
E é justamente aí que reside sua genialidade farsesca: ele parece não ter poder, mas domina todos os centros de poder. Não impõe o medo — impõe a anestesia. Não ordena — corrompe. Não interdita — mas deixa que os outros interditem por ele.
É um novo modelo de tirania: o populismo algoritmizado, judicializado, blindado pela cultura da impunidade e legitimado pela covardia moral das elites.
4. Populismo e Controle Institucional: Do Estado Novo à Nova Oligarquia Judicial
O populismo, em sua origem, é uma forma de encenação política em que o líder afirma falar diretamente em nome do povo — mesmo quando age contra ele. É o teatro da legitimidade por aclamação.
Mas há uma diferença crucial entre o populismo de matriz clássica, como o de Getúlio, e o populismo híbrido e corrosivo de Lula.
Getúlio Vargas, ao implantar o Estado Novo em 1937, rasgou a Constituição, dissolveu o Congresso, censurou a imprensa e governou por decretos-leis. Foi um golpe de força explícita.
Autoritário, sim — mas visível, delimitado, datado. Ainda que tenha agido como ditador, seu poder encontrava resistência clara: no exílio dos opositores, nas denúncias internacionais, nas próprias forças armadas que, anos depois, o forçaram à renúncia.
Vargas não se fingia de democrata quando não o era.
Lula, por sua vez, inaugura uma nova era de controle institucional invisível, ainda mais perigosa. Ele não fecha o Congresso — apenas o corrompe com bilhões em emendas parlamentares. Não censura jornais — apenas condiciona suas verbas. Não impõe o silêncio — apenas o recompensa quando é cúmplice e o pune quando é crítico.
O Supremo Tribunal Federal, que deveria ser a última instância de defesa das liberdades, foi gradualmente transformado em um bunker ideológico e jurídico do lulismo, com ministros escolhidos a dedo, seja por sua fidelidade partidária, seja por sua afinidade doutrinária.
A legalidade passou a ser um instrumento flexível, interpretável ao sabor das conveniências políticas do momento.
A chamada “segurança jurídica” tornou-se, na prática, uma muralha protetora para os aliados do regime — e uma armadilha legal para os dissidentes.
Juízes de primeira instância que ousaram julgar Lula foram removidos, desmoralizados ou declarados “suspeitos” — mesmo quando seus julgamentos passaram por três ou mais instâncias.
Ao contrário de Vargas, que dominava o Executivo e impunha sobre os demais poderes, Lula dissolveu as fronteiras entre os poderes por osmose simbiótica.
O STF virou aliado. O Senado, balcão de negócios. A Câmara, linha auxiliar. O Ministério Público, uma caricatura. E a imprensa, um espetáculo de autocensura induzida.
Essa estratégia não é menos autoritária que a de Getúlio — é apenas mais refinada, mais perversa e mais durável.
Não fere frontalmente — corrompe por infiltração. Não suspende a Constituição — apenas a reinterpreta até que diga o que convém ao projeto de poder.
E tudo isso sob o verniz de um “governo popular”. Mas o povo, esse mesmo povo em nome do qual se comete o crime, continua pobre, desassistido, alienado. Só a cúpula é rica — e imune.
5. Morte e Legado: Suicídio, Martirolatria e a Distinção entre Tragédia e Cinismo
A morte é o ponto final que ilumina retroativamente o texto de uma vida. Como ensina Hegel, só ao fim é que o espírito revela o que de fato foi.
Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, escolheu encerrar sua existência com um gesto radical: um tiro no peito. O suicídio não foi apenas íntimo — foi político, teatral e simbólico.
Ao se matar, Getúlio não fugiu da história. Pelo contrário: tentou retomá-la no último instante, afirmando a narrativa que os adversários lhe negavam.
Cercado por pressões militares e denúncias de corrupção, preferiu a morte à desonra. A Carta-Testamento, pungente e calculada, ecoa como tragédia grega: um personagem consciente do próprio destino, que cai de pé, com palavras no lugar de escudos.
O povo, de fato, foi às ruas — mas não para comemorar: para chorar. Porque, como dizia Aristóteles, a tragédia é feita da queda de quem era grande — e nela há catarse, há purgação, há ambiguidade.
Getúlio encarnou a contradição brasileira: autoritário e popular, nacionalista e centralizador, reformista e repressivo. Sua morte não o redime — mas revela que, ao menos, acreditava em algo maior que si mesmo.
Lula, ao contrário, não caiu. Foi salvo por manobras.
Preso por corrupção comprovada, julgado em três instâncias, cercado por provas, documentos, delações, contratos e testemunhos, não teve sua inocência reconhecida — teve apenas sua culpa anulada.
Não escreveu uma Carta-Testamento — mas teve toda uma biografia reescrita por seus defensores. O STF não julgou a justiça da condenação — julgou a conveniência da instância.
Seu retorno ao poder foi um triunfo da engenharia narrativa: o mártir fabricado, o perseguido reabilitado, o “injustiçado” consagrado. Mas sem o risco do abismo, sem o peso da honra, sem o pathos da tragédia.
Lula é a imagem farsesca do herói pós-moderno: aquele que não cai — escorrega, e ao cair, sorri.
Não há nobreza em seu retorno. Há cálculo, manipulação, espetáculo e oportunismo.
Se Getúlio, com todos os seus pecados, caiu com o peso de uma ideia de Brasil sobre os ombros, Lula volta ao trono como quem retorna ao camarim — entre flashes, slogans e conchavos.
O legado de Vargas se mede em estruturas: CLT, Petrobras, identidade trabalhista, desenvolvimento industrial. Ele moldou a matriz econômica do país.
O legado de Lula se mede em rachaduras: na confiança nas instituições, na banalização da corrupção, no cinismo generalizado que faz da mentira uma tática legítima.
Getúlio escreveu sua história com tinta, suor e sangue. Lula reescreve a própria com verbas públicas, marqueteiros e ministros fiéis.
E ao fim, como nos ensinam os antigos, cada homem revela a que veio ao mundo.
Getúlio fez História — com glória e dor.
Lula construiu uma Mentira — com astúcia e propaganda.
Entre a tragédia e a farsa, entre o silêncio e o slogan, entre o sacrifício e a esperteza, decide-se o destino de uma nação que ainda não aprendeu a diferenciar sombra e substância.
6. Senilidade como Espelho Final da Farsa: Entre o Estilo Consagrado e a Ruína Encoberta
Nos últimos meses, episódios públicos envolvendo o presidente Lula têm chamado atenção até mesmo de setores que tradicionalmente o blindaram. Falas desconexas, oscilações de humor, choro fora de contexto, metáforas sem nexo e palavrões proferidos em ambiente institucional — como no insólito discurso em que exaltou a exportação de:
> “asa de pavão, asa de rabo de galinha, asa de rabo de pomba, bico de codorna… puta merda, cara”
— provocaram reações nas redes sociais, e, mais discretamente, na imprensa tradicional. Em alguns grupos médicos e fóruns de especialistas, já se cogita publicamente o início de um processo demencial.
Mas o ponto mais relevante talvez seja este: se for mesmo o início da senilidade, ela não representa propriamente uma ruptura com sua conduta passada — apenas a acentuação de um estilo já consagrado pela conivência de elites midiáticas e intelectuais. Lula sempre falou com desleixo, usou frases de efeito emocional em vez de argumentos, chorou sem contexto e transformou a grosseria em traço de identidade popular. O que muda agora não é o conteúdo — é o custo.
Durante décadas, esse estilo foi aplaudido como autenticidade, e sua precariedade argumentativa — às vezes risível, às vezes irresponsável — era recebida com indulgência, como se um líder não precisasse da razão quando tivesse o “carisma das massas”. Mas agora, com o peso da idade, a repetição do vazio cansa. A farsa começa a ruir por si mesma — não mais por críticas externas, mas pela própria erosão do artifício.
Em 2024, o jornal O Estado de S. Paulo — em editorial atípico — já sinalizava preocupação: “a saúde de Lula será um tema nacional”, equiparando a situação ao envelhecimento de Joe Biden, mas alertando que, no caso brasileiro, o risco não era apenas físico, mas simbólico. Lula, mais que um homem, é uma encenação política — e se essa encenação tropeça, desaba toda a dramaturgia que sustenta o teatro institucional que o cerca.
É preciso reconhecer, com lucidez: a suspeita de senilidade, mesmo que verdadeira, não absolve Lula — apenas expõe a profundidade da farsa que o transformou em mito político intocável. A mentira — aqui no sentido ontológico — não é apenas aquilo que se diz: é também aquilo que se representa. E Lula, desde sempre, representou a figura do “homem do povo” não para libertar o povo, mas para legitimar um projeto de poder fundado em afeto sem substância, empatia sem ética, slogans sem verdade.
Que ele possa estar senil, portanto, não é surpresa — é conclusão. Um desfecho lento e melancólico para quem confundiu marketing com história, gritaria com grandeza, improviso com sabedoria. E que agora, já sem a mesma energia, sem a mesma blindagem internacional, e sem a mesma aura de “perseguido político”, assiste à deterioração da própria imagem como quem ainda acredita que um novo slogan possa reverter o colapso da realidade.
Em Aristóteles, aprendemos que a tragédia exige katharsis — purgação. E que o herói trágico, ao cair, desperta no espectador uma forma nobre de compaixão, pois vemos nele um reflexo do nosso próprio confronto com os limites da existência.
Mas o que sentimos ao ver Lula hoje não é compaixão — é cansaço. Não é catarse — é saturação.
Se há mesmo sinais de demência, como alegam médicos e analistas, o país deve cuidar disso com responsabilidade. Mas é bom lembrar: a falência da razão sempre foi parte de seu discurso — a diferença é que agora o próprio corpo começa a revelar o que a retórica disfarçava.
No fim, o envelhecimento não o trai — apenas revela que o conteúdo sempre foi menor que o personagem.
E se a tragédia se encerra com dignidade, a farsa, quando prolongada, se dissolve no ridículo.
É nesse ponto que a crítica internacional entra como selo do colapso. Em 29 de junho de 2025, a revista The Economist publicou o artigo: “Brazil’s president is losing clout abroad and unpopular at home”, afirmando com clareza que Lula “perdeu influência internacional e popularidade doméstica”. A mesma revista que em 2022, com reservas, o tratava como retorno da normalidade democrática, agora o expõe como figura deslocada no palco global — um personagem sem gravidade e sem prestígio. Nem mesmo Vladimir Putin o ouviu nas celebrações em Moscou. A fala de Lula já não ressoa nem como ameaça nem como esperança — apenas como ruído.
Em reação, o Itamaraty emitiu carta oficial assinada pelo chanceler Mauro Vieira. Tentou recuperar o brilho do mito: exaltou Lula como defensor do multilateralismo, da paz e da democracia. Mas o gesto, mais do que restaurar imagem, apenas confirmou a fragilidade: quando um governo precisa defender publicamente a “autoridade moral” de seu líder, é porque essa autoridade já não se impõe por si mesma.
E é neste ponto que Olavo de Carvalho emerge como o mais exato intérprete desse processo. Em 2016, vaticinou:
“Quando Lula perceber que a rejeição popular veio para ficar e é totalmente irremediável, sua psicopatia regredirá para doença mental pura e simples, e ele se tornará fraco, inofensivo e incapaz de defender-se. Isolem-no, e ele ruirá como um castelo de areia.”
Para variar, estava coberto de razão.
Lula acabou. E não acabou por força de adversários — mas pela corrosão do próprio enredo que o sustentava. A mentira não envelhece bem: ela apodrece. E com ela, apodrecem os símbolos que a sustentaram. Não há mais aura de mártir, nem verniz de estadista. Apenas o espectro de um personagem que já não acredita no próprio script — mas ainda se move no palco como se a encenação fosse suficiente para deter o tempo.
7. Conclusão: Entre o Herói Ferido e o Farsante Premiado — O Brasil entre a Tragédia e a Desmoralização
Tragédia e farsa não são apenas gêneros teatrais — são modos de existência histórica. Estruturas que revelam, pela forma, o conteúdo de uma época.
A tragédia nasce do embate entre a liberdade humana e os limites do destino. Exige grandeza, conflito, queda. Ela não absolve — mas dignifica. Como diria Sófocles, “não há dor maior do que recordar, na miséria, a felicidade”.
A farsa, ao contrário, nasce da ausência de substância. Sobrevive de disfarces, de slogans, de plateias anestesiadas. Ela não exige confronto — exige aplauso. Vive do esquecimento, não da memória. E quando prolongada, dissolve-se não em silêncio — mas em saturação.
Getúlio Vargas, com todos os seus pecados, encarnou a tragédia. Caiu como caiu Édipo: ferido pelas próprias escolhas, arrastado por contradições internas, mas com alguma dignidade preservada no gesto final.
Seu tiro não apagou seus erros — mas impediu que lhe roubassem o enredo. Foi autor de sua última cena.
Lula encarna a farsa. Não caiu — foi poupado. Não se redimiu — foi reabilitado por acordos, cortes e narrativas. Não assumiu seus crimes — os terceirizou. Não se recolheu — retornou ao palco.
E foi ovacionado.
Recebeu prêmios, doutorados, aplausos — como se bastasse a pose para esquecer o processo. Como se bastasse a retórica para encobrir a realidade.
Mas o tempo — juiz sem toga — cobra em silêncio aquilo que o marketing não consegue encobrir. A imagem que antes se alimentava do mito começa agora a se desgastar diante do espelho: o corpo falha, a voz treme, o raciocínio se dispersa. E o mundo já não sorri — apenas observa.
A crítica da The Economist, publicada em 29 de junho de 2025, selou a virada simbólica. O líder que um dia foi tratado como fiador da democracia tornou-se, agora, um chefe de Estado ignorado por Putin, desprestigiado no G20, e descrito como “cada vez menos popular em casa e irrelevante no exterior”. O editorial internacional apenas oficializou o que o Brasil já pressentia: a encenação perdeu o roteiro.
Como lembrou J.R. Guzzo:
“Não há paredões, mas há fome.
Não há campos de concentração, mas há milhões de presos econômicos.
Não há guerra civil, mas há destruição moral diária.”
O Brasil, ao invés de superar sua tragédia, reciclou-a em circo. Preferiu a estética do falso à ética do real. Preferiu a narrativa do marketing à substância da memória.
Lula não é herdeiro de Vargas — é seu avesso farsesco. Não é o pai dos pobres — antes é o curador da miséria crônica que perpetua a dependência.
Tampouco é herói ferido — é o farsante premiado pelo oportunismo de uma elite política, burocrática, midiática e financeira que, após tê-lo condenado, reabilitou-o para continuar se locupletando às custas do Estado.
Mas a tragédia de Lula — para o bem do Brasil — é que ele já não serve mais nem a esses propósitos nefastos.
Ao corroer os fundamentos da economia, da confiança institucional e da ordem simbólica, Lula periga matar a galinha dos ovos de ouro de que se alimentava.
E essa elite, cuja única virtude é o instinto de sobrevivência, saberá descartá-lo quando a conta chegar.
Talvez então, enfim, ele encontre seu destino — não como mártir, nem como mito que, segundo ele mesmo, nunca foi — mas como objeto inútil atirado na lata de lixo da história.
Aliás, esse desfecho — físico, simbólico e institucional — já havia sido antevisto com precisão por Olavo de Carvalho, num vaticínio que agora se cumpre à luz do colapso real.
E o povo, que sobrevive à dor com coragem, talvez não sobreviva à mentira como fundamento de sua história.
A tragédia, mesmo quando dilacera, pode redimir. A farsa, quando institucionalizada, apenas adia o colapso — e torna-o inevitável.
Por último, mesmo que surjam viúvas políticas a clamar por sua herança, Lula não deixará um legado — deixará um espólio.
E espólios, ao contrário dos legados, não inspiram continuidade: geram disputa, diluição e esquecimento.
Getúlio morreu e se tornou símbolo.
Lula sobrevive — e, por isso mesmo, vai se desfazendo em tempo real. Não será lembrado por sua obra, mas por seus escombros.
E se tiver herdeiros, não serão filhos da esperança — mas testamenteiros de um tempo em que a mentira se fantasiou de redenção.
8. Epílogo — Honra, Tragédia e o Cinismo como Sinal dos Tempos
Ao longo da história, os povos não se definem apenas pelas leis que criam — mas pelos valores que sustentam seus gestos diante da derrota.
Existe uma diferença abissal entre o homem que sofre com a própria queda por reconhecer o valor que traiu, e aquele que ri da própria queda por jamais ter reconhecido valor algum.
É por isso que, ao julgar o legado de um governante, é preciso olhar não apenas para suas vitórias — mas, sobretudo, para o modo como enfrentou seus fracassos. Pois é na hora da queda que a alma de um homem se revela.
E aqui, o contraste entre Getúlio Vargas e Luiz Inácio Lula da Silva alcança sua expressão mais pura.
Getúlio Vargas foi educado em uma época em que a palavra “honra” não era retórica de campanha — era critério de existência.
Era herdeiro de uma cultura em que o fracasso público não se tratava como espetáculo — mas como ferida moral.
Nas faculdades de Direito do início do século XX, especialmente no estudo do Direito Comercial, aprendia-se que o comerciante era, antes de tudo, um homem de palavra.
O fracasso econômico, para muitos, não era apenas uma crise de liquidez — mas uma crise de dignidade.
No século XIX, não era raro que um comerciante, ao não conseguir honrar seus compromissos, sacrificasse a própria vida. Não por vaidade, mas por coerência interior.
Não por desespero, mas por ética.
Getúlio era herdeiro desse mundo. O gesto do suicídio — com todas as ambiguidades que carrega — foi também uma tentativa de preservar, no instante final, a imagem que ele desejava deixar ao povo.
Não suportou viver como um homem desonrado. Mesmo com seus erros, havia em Getúlio a noção aristotélica de aretḗ — a virtude como medida da grandeza de alma. Ele queria ser lembrado. Não como homem perfeito, mas como símbolo.
Lula, ao contrário, é produto de uma época em que a esperteza substituiu a honra. Não sangra — negocia. Não se envergonha — capitaliza. Não enfrenta o erro — transforma-o em bandeira.
A mentira, para ele, não precisa ser escondida — basta ser repetida com convicção.
Ambos, é verdade, partilham do oportunismo.
Mas enquanto Getúlio usou o oportunismo como instrumento para realizar um projeto de país, Lula o usou para disfarçar a ausência de qualquer projeto que não fosse o de sua própria permanência.
Getúlio errou — mas reconheceu o abismo.
Lula abisma — e nega que haja erro.
E não se trata de canonizar Vargas.
Seu regime foi autoritário, personalista, e flertou com o fascismo — sem dúvida.
Mas é inegável que, sob seu governo, o Brasil rompeu com a dependência agroexportadora, lançou as bases da industrialização e passou a reconhecer o trabalhador como sujeito político.
Seu autoritarismo produziu estruturas.
Sua queda produziu silêncio.
Sua morte produziu comoção.
Já Lula, mesmo com todos os instrumentos da democracia, desestruturou o país — ética, institucional e simbolicamente.
Seu retorno ao poder não nasceu da verdade — mas da anulação burocrática da verdade.
Seu governo não se assenta sobre reformas — mas sobre narrativas.
Sua permanência não se deve à força das ideias — mas ao esgotamento moral de uma sociedade que trocou a tragédia da vergonha pela farsa do autoengano.
Aristóteles nos ensinou que a tragédia eleva — porque mostra o ser humano em confronto com o limite, com aquilo que não pode ser dobrado.
O cinismo, ao contrário, aniquila: porque nega o limite, transforma a culpa em troféu e a corrupção em método.
É justo reconhecer, contudo, que nem todos os nomes da esquerda se renderam a esse colapso moral.
Com o devido respeito a outros nomes que talvez não tenha conseguido identificar — até porque muitos que se contrapõem a ideias conservadoras evitam se declarar como marxistas ou de esquerda — é preciso reconhecer que figuras como Aldo Rebelo, Félix Valois e Hélio Bicudo (in memoriam), cada um à sua maneira, demonstraram que é possível estar à esquerda sem abrir mão da decência, do espírito crítico, da lucidez e da fidelidade à verdade.
Rebelo, Valois e Bicudo são, portanto, exceções que, como toda boa exceção, apenas confirmam a regra.
E se confirmam a regra, é porque brilham contra a sombra dominante. São faróis — não portos. E são, portanto, mais respeitáveis justamente por terem permanecido éticos onde tantos se venderam ao cálculo.
Infelizmente, exceções não sustentam regimes, tampouco conseguem pôr cobro aos desmandos praticados atualmente pelos detentores do poder.
A regra é outra — e a regra dominante no campo progressista contemporâneo é esta:
• O discurso vale mais que o fato.
• A emoção, mais que a razão.
• A conveniência, mais que a verdade.
E é por isso que mesmo um ditador como Getúlio se distingue de Lula — porque, ao menos, lutava por valores que transcendiam sua própria imagem.
Getúlio acreditava em algo fora de si.
Lula acredita apenas em si mesmo.
A diferença entre ambos não está apenas no gesto, na queda ou no oportunismo.
A diferença está no que cada um defendia — nos valores que guiavam sua consciência.
Getúlio caiu de pé — porque ainda acreditava em algo fora de si.
Lula permanece de joelhos — diante de sua própria imagem no espelho, corroído por seu ego e pelo álcool, numa forma farsesca de hybris que já não desafia os deuses, mas apenas repete a si mesmo num espiral de autocomplacência.
Enquanto Getúlio, ao reconhecer os limites de sua trajetória, enfrentou sua queda com a gravidade de quem compreende o peso do destino, Lula se mantém refém de sua própria narrativa, sem a consciência trágica do limite, sem a dignidade do silêncio, sem a coragem de interromper a farsa.
Em Édipo Rei, Sófocles nos ensina que a verdadeira tragédia não está apenas no erro — mas na recusa em reconhecê-lo enquanto ainda há tempo.
A hybris, esse desmedido orgulho que cega, é punida não por crueldade divina, mas porque rompe a ordem do mundo.
Getúlio teve, ao menos, o instante de lucidez para cessar o ciclo.
Lula, ao contrário, prolonga sua permanência como quem acredita que repetir slogans é reverter o destino — e assim, torna-se não personagem trágico, mas símbolo da degradação do enredo.
No fim, cada ser humano revela a que veio ao mundo: uns — como Vargas — se inscrevem na História, ainda que por suas contradições.
Outros — como Lula — apenas rondam a memória coletiva como alegorias de um tempo em que o narcisismo ocupou o lugar da virtude.
Em Antígona, Sófocles sentencia:
“Os grandes golpes do destino, ao final, ensinam a sabedoria aos que não a quiseram aprender com humildade.”
Essa é a diferença entre o herói trágico e o farsante crônico:
— O herói cai porque ousou demais, mas aprendeu no limite;
— O farsante sobrevive porque se esconde do limite — e por isso, não aprende nunca.
Lula não está caindo como personagem trágico — está se desfazendo como um reflexo distorcido da própria arrogância.
Sua hybris não é a de um Prometeu que desafia o Olimpo — é a de um Narciso que se afoga na superfície da própria voz.
E como nos ensina a tradição trágica, os que insistem em negar o limite acabam devorados não pelos inimigos — mas pelos próprios excessos.
(*) O autor é advogado, Procurador do Estado aposentado, ex-Procurador-Geral do Estado do Amazonas e membro da Academia de Ciências e Letras Jurídicas do Amazonas.