Armas de gel: um “brinquedo” perigoso para a visão e o bom senso

O problema? Muitos pais e responsáveis ainda veem esses dispositivos como algo inocente

É cada vez mais comum vermos crianças e adolescentes empolgados com as chamadas armas de gel, dispositivos que, à primeira vista, parecem inofensivos. Mas, como oftalmologista e alguém que vê diariamente os impactos de acidentes oculares, sinto a necessidade de alertar: essas armas não são brinquedos. Na verdade, elas representam um risco significativo, especialmente para a visão.

Ao olhar mais de perto, percebe-se que as armas de gel são, na realidade, equipamentos que se assemelham muito às armas utilizadas em esportes como softball e paintball. Elas disparam pequenas esferas de gel que, embora macias, podem atingir velocidades consideráveis, sendo capazes de causar lesões sérias. O problema? Muitos pais e responsáveis ainda veem esses dispositivos como algo inocente, uma distração para os jovens, sem considerar os perigos envolvidos.

O apelo comercial dessas armas é forte. Seus designs modernos, frequentemente imitando armas reais, dão uma sensação de “brincadeira de gente grande”. Porém, ao contrário de bolas de futebol ou outros brinquedos tradicionais, as armas de gel foram projetadas para impacto, e impacto em regiões sensíveis, como os olhos, é um acidente esperando para acontecer.

A visão não se recupera com a mesma facilidade que outros órgãos do corpo. Um trauma ocular pode deixar sequelas, como descolamento de retina, uveíte, catarata traumática, lesões na córnea e até mesmo cegueira. Será que vale a pena correr esse risco por algo que deveria ser apenas uma diversão?

Tenho refletido sobre o quanto o marketing de produtos como as armas de gel nos faz negligenciar nossa responsabilidade enquanto sociedade. Não é apenas sobre proibir ou permitir o uso dessas armas. É sobre educar. Precisamos ensinar aos jovens que certas escolhas vêm com consequências, e que brincar com algo que pode ferir – a si mesmo ou aos outros – não é apenas perigoso, mas também irresponsável.

Muitos podem argumentar que o uso de equipamentos de proteção, como óculos, elimina os riscos. Mas, sejamos sinceros: quem realmente garante que uma criança ou adolescente vai usar proteção adequada durante todo o tempo de uso? Quantos pais têm conhecimento sobre a força desses disparos?

A ANVISA, sabiamente, está em processo de regulamentação das armas de gel, reconhecendo que elas não são brinquedos. Mas regulamentar não é o suficiente. É preciso que a sociedade se engaje nesse debate e entenda que nem tudo o que está à venda deve ser tratado como inofensivo.

Mais do que discutir a segurança física, este tema nos leva a pensar sobre o tipo de diversão que estamos promovendo para nossos filhos. Será que precisamos incentivar o uso de objetos que simulam violência? Não deveríamos estar mais preocupados em oferecer alternativas que estimulem a criatividade, o convívio social e a saúde?

Deixo aqui minha opinião como profissional da saúde: as armas de gel não têm lugar nas mãos de crianças e adolescentes. A visão é um dos nossos bens mais preciosos, e qualquer lesão pode trazer impactos profundos e permanentes na qualidade de vida.

Que possamos refletir, como pais, educadores e sociedade, sobre o que realmente estamos permitindo e incentivando. Afinal, prevenir é muito mais sábio do que remediar.

 

*Swammy Mitozo

Médico Oftalmologista, especialista em Gerontologia e Saúde do Idoso. Pesquisador da FUnATI. Professor Universitário e Mestre em Doenças Tropicais e Infecciosas pela Fundação de Medicina Tropical (UEA/FMT).