Envelhecer é, em sua essência, um ato de coragem. Não apenas pelas transformações físicas e emocionais que o tempo naturalmente nos impõe, mas também por tudo o que a sociedade ainda insiste em não compreender ou acolher. Para quem passou dos 60 anos, a jornada não é feita apenas de conquistas e sabedoria adquirida, mas também de enfrentamentos silenciosos contra uma forma de preconceito muitas vezes ignorada: o etarismo, também conhecido como ageísmo ou idadismo.
Este termo, criado pelo psiquiatra Robert Butler em 1969, não é recente, mas continua mais atual do que gostaríamos. Ele descreve a hostilidade e a discriminação que uma pessoa sofre apenas por conta da sua idade cronológica. No Brasil, esse cenário ganha contornos ainda mais preocupantes: segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 16,8% dos brasileiros com mais de 50 anos já foram vítimas de alguma forma de discriminação relacionada à idade. E essa estatística pode ser ainda maior se considerarmos os casos que não são relatados por vergonha ou normalização do preconceito.
As manifestações do etarismo podem variar. Algumas são explícitas, como a exclusão direta de oportunidades de trabalho ou o tratamento infantilizado, desrespeitoso, que ignora a autonomia da pessoa mais velha. Outras, no entanto, são mais sutis — mas não menos danosas. São os comentários mascarados de brincadeira, as piadas sobre lentidão, memória ou aparência, os olhares impacientes em filas ou atendimentos, a ideia equivocada de que alguém mais velho não tem mais nada a aprender ou a contribuir.
E não se trata apenas de má educação. O ageísmo fere. Fere a autoestima, a identidade, a dignidade. Diminui o espaço social do idoso e pode até afetar sua saúde. A OMS chama atenção para um dado alarmante: pessoas que desenvolvem atitudes negativas em relação ao próprio envelhecimento vivem, em média, 7,5 anos a menos do que aquelas que mantêm uma visão positiva sobre essa fase da vida. Além disso, o preconceito contribui para o isolamento social, reduz a participação ativa em comunidade e impacta diretamente na qualidade de vida.
Foi diante desse cenário que, no ano passado, a OMS lançou um relatório global convocando governos, instituições e a sociedade como um todo a combater o preconceito de idade. A proposta é clara: precisamos mudar urgentemente nossa forma de ver, tratar e conviver com as pessoas idosas. É preciso compreender que envelhecer não é sinônimo de incapacidade. Muito pelo contrário — é um acúmulo de experiências, histórias e saberes que não podem ser ignorados ou desvalorizados.
Ao público com mais de 60 anos deve ser oferecido mais do que cuidados médicos ou políticas assistenciais. É necessário oferecer oportunidades reais de participação, escuta ativa, respeito e visibilidade. Cada cabelo branco carrega uma história que merece ser ouvida; cada ruga é um mapa do caminho trilhado com esforço, amor e resiliência. A sociedade só será realmente justa quando reconhecer, na velhice, uma etapa nobre da existência — e não um fardo a ser ignorado ou tolerado.
Combater o etarismo é um dever coletivo. Significa olhar para o outro com empatia, mas também projetar o próprio futuro com mais respeito. Afinal, todos, se tivermos sorte, vamos envelhecer. E como queremos ser tratados quando isso acontecer? Queremos ser lembrados como um peso ou celebrados por tudo o que somos e construímos?
Que possamos aprender a dar lugar às vozes que ainda têm muito a dizer, aos passos que ainda querem seguir em frente, aos olhos que ainda brilham com sonhos. Que a experiência de envelhecer seja reconhecida como o patrimônio que é.
Como cantava Nelson Gonçalves, com sua voz de eternidade: **“Respeitem ao menos os meus cabelos brancos.”** Essa frase, mais do que um pedido, é um lembrete — e um convite. Envelhecer é um privilégio. E quem chega até lá merece respeito, sempre.
** Médico Oftalmologista, especialista em Gerontologia e Saúde do Idoso. Pesquisador da FUnATI. Professor Universitário e Mestre em Doenças Tropicais e Infecciosas pela Fundação de Medicina Tropical (UEA/FMT).