Brasília – Em um período complicado de pandemia do Covid-19, alta do dólar, desemprego e outros fatores socioculturais no Brasil e no mundo, os videogames se mostram mais uma vez um entretenimento de poucos.
Os triple-A, como são chamados os games de grande orçamento de produção, são lançados digitalmente para PlayStation, Xbox e Switch por cerca de R$ 300 reais, em território nacional.
Ainda que alguns títulos sejam disponibilizados por R$ 250 no PlayStation 4, Xbox One, Xbox Series X e Series S, os games de Nintendo chegam pelos mesmo R$ 300 e novos exclusivos de PlayStation 5 alcançam os R$ 350.
Dados levantados pela Pesquisa Game Brasil 2021 mostram que 45,4% dos entrevistados só baixam jogos gratuitos, 44,9% também pagam por jogos ocasionalmente e 9,7% compra jogos com frequência.
Como games estão cada vez mais avançados e recebendo o que há de melhor no mercado da tecnologia, o Canaltech conversou com o economista Henrique Rogê para entender a alta de preços no setor.
“A complexidade e evolução dos jogos em termos de gráficos eleva os custos de produção que, em parte, são repassados ao consumidor”, explica Rogê. Esse é um dos fatores destacados pelo economista como um dos responsáveis pelos altos preços.
Além disso, a alta do dólar (que flutua em R$ 5, na cotação atual), a carga tributária e o poder de mercado das desenvolvedoras implicam nos valores exorbitantes. “Quanto maior este poder, maior o preço cobrado”, complementa.
Para entender um pouco mais sobre o cenário brasileiro e compará-lo ao de outros países, o Canaltech comparou o salário mínimo recebido no Brasil, Argentina, Canadá, Europa, Estados Unidos, Reino Unido e o Japão, com os valores dos lançamentos em cada país.
Um hobbie caro para os brasileiros
Em fevereiro de 2021, o Governo Federal do Brasil atualizou o salário mínimo para R$ 1.100 por mês. Considerando o jogo a R$ 300, o valor corresponde a 27,7%, um pouco mais que um quarto do salário mínimo nacional. Para alguns, isso pode ser pouco. Mas para muitos brasileiros, é o equivalente a dias de comida na mesa.
Vale ressaltar que o valor ainda é mais alto do que a renda média do brasileiro atual. Em junho de 2021, a Fundação Getúlio Vargas divulgou sua pesquisa “Bem-Estar Trabalhista, Felicidade e Pandemia”, do Centro de Estudos FGV Social.
Na apuração, destacaram que, durante a pandemia e no primeiro semestre de 2021, a renda média do trabalhador no Brasil ficou em R$ 1 mil pela primeira vez em 10 anos. O valor é 10,89% mais baixo do que o mesmo período de 2020.
Voltando ao salário mínimo e transformando os R$ 1.100 mensais em horas (considerando uma média de 40 horas de trabalho semanais por 22 dias úteis e um expediente de 8h diárias), chegamos ao número de que um brasileiro recebe pelo menos R$ 6,25 por hora trabalhada.
Com esses valores, um brasileiro precisa trabalhar 40 horas para comprar os lançamentos a R$ 250, 48 horas para os de R$ 300 e 56 para os de R$ 350. Isso equivale a 5, 6 e 7 dias de trabalho, em um expediente de 8 horas diárias. Ou seja, uma semana.
Argentina
Nossos hermanos também sofrem com os altos preços dos jogos. No país, a moeda vigente é o peso argentino e o salário mínimo nacional é $21.600. Lá, os jogos são vendidos a $ 5.500 para a geração anterior e por $6.400 para a nova.
Transformando o salário mínimo argentino para horas, usando como base as mesmas 40 horas de trabalho semanais e 22 dias por mês, nossos vizinhos ganham cerca de $122,70 por hora trabalhada.
Com isso, o gamer da Argentina precisa trabalhar 44,8 horas e 52,2 horas para comprar jogos no lançamento. Isso equivale a 6 e 7 dias de trabalho, em uma carga de 8 horas diárias. Um pouco menos do que nós.
Estados Unidos
Na terra do Tio Sam e de nascimento do Xbox, o salário mínimo federal – acatado por 21 dos 50 estados – é de US$ 7,25 por hora. Depois da eleição de Joe Biden, o novo presidente quer aumentar esse valor para US$ 15.
Por lá, os jogos da geração anterior são vendidos por US$ 60 e os da geração atual por US$ 70. Em conversão direta, os jogos equivalem a R$ 300 e R$ 350, que é o preço que os games vêm sendo cobrados no Brasil.
Usando o salário de US$ 7,25 por hora e também considerando as 8 horas diárias de trabalho, um estadunidense tem que trabalhar 8,3 horas e 9,7 horas para pegar um jogo de US$ 60 e US$ 70, respectivamente, no lançamento. Ou seja, trabalhando dois dias ele já consegue pegar um game recém-lançado e ainda, quem sabe, aproveitar uma promoção na loja.
Canadá
O vizinho de cima dos EUA não conta com um valor nacional do salário mínimo, cabendo a cada estado determinar o seu. Em média, o valor que um canadense recebe por hora trabalhada é de US$ 13,85.
Porém, os jogos lá são um pouco mais elevados, sendo C$ 80 e C$ 90. Mantendo o raciocínio aplicado até agora, os moradores do Canadá levam 5,8 horas e 6,5 horas diárias para juntar o dinheiro para comprar um triple-A.
Europa
Alemanha, França, Portugal e mais 16 países compõem a União Europeia. No bloco econômico, nem todos os países usam o Euro como moeda principal e também possuem seus próprios salários mínimos; até mesmo com variações entre cada cidade.
A maioria dos países europeus são como o Brasil e determinam um valor mensal, que varia entre os € 332 recebidos na Bulgária aos € 2.201 de Luxemburgo. Estipulando uma média salarial mínima entre os países e os transformando em um valor por hora, chegamos a um valor médio de € 5,50 por hora trabalhada.
Nos países, os valores dos jogos são de € 70 e € 80 e, para aproveitar os lançamentos no primeiro dia, os europeus precisam trabalhar entre 12,7 horas e 14,5 horas. Ou seja, no máximo 2 dias de trabalho.
Reino Unido
O bloco composto por Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte usa a Libra desde antes do Brexit (saída do Reino Unido da Zona do Euro), o que já acarretava preços diferentes para a região.
O aglomerado conta com regras diferentes de salário, com base no nível de experiência e idade. Jovens de 16 anos e em nível de aprendiz recebem pelo menos £ 4,15. A partir dos 25 anos, os britânicos recebem £ 8,72 por hora trabalhada.
Com os jogos novos chegando por £ 60 e £ 70, os britânicos que estão começando no mercado de trabalho precisam de 14,5 horas a 16,9 horas, o que equivale entre 2 e 3 dias de trabalho, considerando uma jornada de 8 horas diárias. Já os mais velhos levam 6,9 horas e 8 horas, ou seja, um dia de trabalho.
Japão
A terra de nascimento da Sony e da Nintendo também não estipula um valor nacional, deixando com que cada um dos 47 departamentos estabeleça o seu. Zonas mais urbanizadas contam com valores maiores, como Tóquio que estabelece ¥ 1.013 por hora trabalhada. Já em distritos rurais, como Akita e Okinawa, o valor cai para ¥ 792.
Os jogos também mudam de valor conforme a plataforma e são vendidos por ¥ 8700 e ¥ 9700, na geração anterior e na atual, respectivamente. Considerando uma média de ¥ 902,5 por hora trabalhada por um japonês, eles precisam trabalhar 9,6 horas e 10,7 horas para adquirir os jogos. Logo, dois dias de expediente.
Próxima parada: de volta ao Brasil
Vendo as diferenças, é possível perceber que o poder de consumo do gamer brasileiro é baixo. Para “resolver” essa situação, o economista Henrique Rogê aponta que seria necessária “uma elevação do salário mínimo e a redução dos determinantes [dólar, tributação etc] do preço dos jogos”.
Mas, ainda assim, isso não é uma resposta absoluta. Rogê ressalta que o salário mínimo é uma variável que depende de questões de orçamento do governo federal e o preço final de um jogo depende dos outros fatores já citados no começo desta reportagem.
O boss é a empresa
Os grandes lançamentos de franquias como The Last of Us, FIFA, Halo e Super Mario são sucessos de vendas de suas desenvolvedoras. “Este mercado tem uma participação destes consumidores ‘fiéis’ a determinados jogos e franquias”, ressalta Rogê, como um dos fatores que mantém os gamers comprando games logo no primeiro dia nas lojas.
Ele destaca ainda que todas as novidades são produtos esperados pelo público. De modo que “as empresas, cientes disto, ‘podem’ cobrar preços mais elevados, pois sabem que há um público disposto a pagar”, complementa o economista.
Como jogar sem gastar tanto
Um game é uma forma de entretenimento eletrônico, ou seja, não é algo vital e que precisa ser consumido como alimentos e energia elétrica, por exemplo. Para economizar e se planejar, Rogê sugere seguir as ordens de economia doméstica: “estabelecer a ordem de prioridade da compra; pesquisar (preços, valores, estabelecimentos e promoções); levar em consideração a marca [no caso, as desenvolvedoras], quando for possível; e planejamento orçamentário prévio (gastar menos que ganha)”, detalha o economista.
(CanalTech)