Marina Villas Bôas pede respeito aos indígenas do Brasil

Em entrevista exclusiva, a ‘Mãe Branca do Xingu’, mulher de Orlando Villas Bôas, diz que a sociedade tem muito a aprender com esses povos

Manaus – Após duas décadas, Marina Villas Bôas, esposa de Orlando Villas Bôas (um dos três irmãos que fundaram o Parque Nacional do Xingu, nos anos 1960), volta à Manaus. A primeira vez que esteve na capital do Amazonas, participou de uma expedição com o médico Draúzio Varella, quando percorreu as águas dos rios amazônicos até São Gabriel da Cachoeira. Dessa vez, veio a cidade para acompanhar o amigo paulista Sandro Putnoki, que recebeu o título de cidadão do Amazonas.

Marina Villas Bôas desembarcou em Manaus após duas décadas (Foto: Reprodução)

Aos 80 anos, e parecendo uma boneca de biscuit (dada a delicadeza física e de gestos) encantou-se com a cidade que reencontrou. Apaixonou-se pela farinha de tapioca (misturada ao café com leite) e, numa conversa tranquila, contou sobre a aventura vivida com os irmãos Villas Bôas, quando era a única mulher, no grupo, a participar da criação do Parque; afirmou e reafirmou o nível de ligação com os indígenas, a quem considera da família e também falou da preocupação com os povos indígenas.

Acompanhe a conversa com a enfermeira, que em 1963 , aos 24 anos, desembarcou de um pequeno avião, no Mato Grosso, para ficar uma semana. Encontrou Orlando Villas Bôas, defensor dos povos indígenas, junto aos irmãos. Apaixonaram-se, casaram e Marina acabou ficando muitos anos no Parque Nacional do Xingu, cuidando da saúde dos povos do lugar.

PLUS – Qual a sua relação hoje com o Xingu?

Marina Villas Bôas – É de amor e muito respeito. Temos uma relação muito próxima, apesar da última vez que fui ao Xingu foi em 2003 para participar do ritual Kuarup do meu marido Orlando, que foi emocionante. Quando morre um de seus líderes, eles (os indígenas) fazem essa cerimônia, que é fúnebre, mas também é uma festa,com força simbólica, que reúne todas as tribos. Meus dois filhos vão todos os anos ao Parque, onde são tratados como família, que é o que somos todos, uma família. Eles me chamavam de ‘mãe’ e meu marido de ‘pai’, ‘avô’, ‘filho’. O Xingu é extensão da minha família e a ligação é muito forte, principalmente com os mais velhos.

PLUS- O que aprendeu com os indígenas?

MVB – Uma das coisas mais importantes é que se pode viver bem com muito pouco. Eles são felizes, vivem em harmonia e respeito com a natureza e com os outros.

PLUS – Como a senhora vê a situação atual dos povos indígenas do país?

MVB – Vejo com muito pesar, pois para as pessoas lidarem com os indígenas tem que ter o mínimo de conhecimento. Não sabem que eles têm uma rica organização social. Então, me preocupo com a situação. Porém, meia dúzia deles (principalmente os que viajaram), apoia a política atual, mas a maioria, que vive da força de sua cultura, sofre e vai sofrer ainda mais. O Xingu deveria ser tratado com mais preocupação e respeito, pois foi e é resistência.

PLUS – Qual seria a posição de seu marido, se tivesse ainda vivo?

MVB – Com certeza, agiria a favor deles (índios), pois era uma voz respeitada em todo o mundo. Influenciaria para que não houvesse liberação de demarcações de terras indígenas. Não aceitaria e lutaria contra.

PLUS – Quais as lições que o Brasil poderia aprender com o Xingu?

MVB – Ali é uma sociedade organizada, onde há respeito pela natureza e ser humano. Isso seria algo realmente bom para ser absorvido. Os índios sempre foram vistos como primitivos, que atrapalham o ‘desenvolvimento’, mas são organizados e podem ensinar mais do que a gente imagina.

PLUS – A senhora acha que sua história e dos irmãos Villa Bôas é referência?

MVB – Vejo que há sim uma parcela que respeita essa história, mas há outra que não tem respeito. Porém, é uma história forte e de luta pelos povos indígenas.

PLUS – A senhora atuou profundamente na questão da saúde, no Parque, como enfermeira. Como foi a reação dos índios aos cuidados de uma ‘branca’ ?

MVB – A primeira recomendação foi que a ‘medicina’ dos índios, fosse valorizada e respeitada. Eu fazia o que sabia e os pajés,a parte deles, mas a cura sempre era do pajé. E a gente respeitava. Quando cheguei, o Parque era recém criado. Tive a felicidade de derrubar a mortalidade infantil por quatro anos. Nessa época fomos citados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como único local, no mundo, que não teve morte infantil. Ajudei com meus conhecimentos.

PLUS – Como está o Instituto Orlando Villas Bôas?

MVB – Está parado. Criamos o Instituto Orlando Villas Bôas, em 2011, com a ideia de abrir um museu. Porém, com tantos cortes em cultura, no País, não tivemos apoio e resolvemos fechar. Todo o material está em minha casa. São documentos de criação do parque; documentação da Expedição Roncador-Xingu; inúmeras peças que foram presenteadas pelos indígenas ao meu marido. No total são milhares de peças. Mas, sem apoio dos governos não tivemos como continuar com o projeto.

PLUS – O que a senhora achou de Manaus, após esse hiato de duas décadas?

MVB – Estou encantada. Estive aqui de passagem com Draúzio Varela. Fomos por esse imenso rio até São Gabriel da Cachoeira. É uma cidade grande e linda. Estou feliz de ter voltado. Posso ficar com essa tapioca para comer amanhã? (risos).

PLUS – Claro, dona Marina, a senhora pode ficar com nossos cheiros e sabores!

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