A liberdade de expressão do pensamento tem garantia na Constituição Federal. A proteção do nome, intimidade, imagem e honra das pessoas, também. São direitos que coexistem com a mesma força jurígena. Para conciliar esse dualismo constitucional importa saber que ninguém, a pretexto de exercer aquele direito, pode violar o titular deste, nem nas relações interpessoais, nem através internet e redes sociais. O direito à liberdade de expressão, inclusive para discordar, tem seu limite onde começa o direito de outrem à proteção de sua intimidade, nome, imagem e honra. Ultrapassado esse limite, o infrator pode responder por danos morais, e até mesmo ser processado pela prática dos crimes contra a honra de injuria, calunia e difamação. Mas, como identificar esses limites? É simples. Direito é lógica e bom senso. Direito intuitivo. Por conta de antigo e evolutivo processo cultural nós o sentimos, e percebemos o que está, ou não, de conformidade com a lei. Por empirismo sabemos quais palavras e expressões maculam a intimidade, o bom nome, a imagem e a honra das pessoas. Não precisa ser jurista. Regras de educação e correto convívio social bastam.
Quanto aos abusos na internet e redes sociais, tão frequentes nos dias atuais, é preciso ter em mente que essas fantásticas criações do engenho humano não foram concebidas para que alguém, a pretexto de exercer sua liberdade de expressão do pensamento, possa extravasar frustrações e ressentimentos, e vomitar ódio contra quem quer que seja. A internet e as redes sociais têm funções mais nobres, bem meritórias: permitir comunicação instantânea entre pessoas de todas as latitudes e longitudes, transformando o mundo numa aldeia global; facilitar a socialização do conhecimento, da ciência e da cultura; democratizar informações de interesse da comunidade, da cidade, do país e do mundo, e servir como um cadinho de efervescência de ideias, opiniões e pontos de vista acadêmicos, políticos, econômicos, sociais e esportivos, inclusive com as divergências que esses temas propiciam e induzem, na convicção de que da discussão nasce a luz. Assim, se alguém exorbita do seu direito de livre expressão do pensamento na internet e nas redes sociais (como na vida privada), não podemos ficar silentes, indiferentes, como se estivéssemos a admitir o lícito exercício do ilícito. Deve haver a reprovação social, e pode o ofendido exigir a retratação devida, buscar em juízo a reparação dos danos morais sofridos, ou ainda representar criminalmente contra o ofensor, nos casos de calunia, injuria e difamação. São medidas pedagógicas e reparadoras, aptas à manutenção da paz social.
Fique bem claro, no entanto, que as finas ironias e as brincadeiras inteligentes, leves, inofensivas, que não atingem a honra de quem quer que seja, não devem ser desencorajadas, criticadas ou reprimidas, por conta do mau humor, birra ou reação pueril de quem se sentiu ofendido, sob pena do povo brasileiro, reconhecidamente bem humorado, descontraído e brincalhão, ao ponto de, na geral do Maracanã, ver o xingamento da mãe do árbitro como um casto elogio, de repente, transformar-se num agrupamento de pessoas de caras amarradas, avessas ao riso, sem se dar conta de que o riso faz bem à saúde, pela endorfina que produz. Por fim, é bom registrar que, em caso de mera divergência política, acadêmica, econômica, religiosa ou esportiva, e, sendo percebível que o interlocutor é adepto do “politicamente correto” e defensor do pensamento único, o melhor é evitar discussões estéreis que possam evoluir para desentendimentos mais graves, bastando repetir-lhe a lição de tolerância atribuída a Voltaire, filósofo iluminista francês: “Discordo de tudo o que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-lo.”
(*) Divaldo Martins, juiz de direito aposentado e advogado