O ex-ministro Silvio Almeida e a Pedagogia do Oprimido

A crítica freiriana à opressão busca alertar para os riscos de sistemas educacionais que não emancipam o sujeito

Silvio Luiz de Almeida é tratado pela imprensa tradicional brasileira como um renomado intelectual, advogado, filósofo e professor, conhecido principalmente por suas contribuições no campo dos direitos humanos e da luta contra o racismo estrutural.

Segundo a imprensa, sua trajetória pessoal e profissional seria marcada por uma consistente militância em prol da justiça social, sendo amplamente reconhecido por sua postura combativa contra as desigualdades no Brasil.

Nascido em São Paulo, Almeida cresceu em um contexto social modesto. Desde cedo, ele demonstrou interesse pelas questões sociais, o que o levou a estudar Direito, Filosofia e Ciências Sociais. Silvio Almeida formou-se em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, e posteriormente obteve um mestrado e doutorado em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Ele também fez pós-doutorado em Filosofia e foi professor em várias instituições, inclusive na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.

O ex-ministro começou a ganhar destaque no cenário acadêmico e intelectual ao abordar a teoria do racismo estrutural, tema que discutiu amplamente em seu livro “Racismo Estrutural” (2018). Nessa obra, ele propõe que o racismo no Brasil não deve ser visto como um fenômeno isolado ou de comportamentos individuais, mas como parte de uma estrutura institucionalizada que perpetua desigualdades raciais em várias esferas, como a educação, a saúde e o sistema de justiça.

Em 2023, Silvio Almeida foi nomeado Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Sua nomeação foi vista com entusiasmo por setores progressistas e organizações de direitos humanos, já que Almeida havia se tornado uma voz influente na defesa de causas raciais e sociais. Durante seu período como ministro, notícias da grande mídia alegam que ele trabalhou para implementar políticas de reparação e combate ao racismo, além de atuar em frentes de direitos humanos de maneira ampla, abrangendo direitos das populações vulneráveis, como indígenas e LGBTQIA+.

Por outro lado, ao longo de sua carreira, Silvio Almeida não esteve imune a controvérsias. Uma das críticas mais comuns feitas ao ex-ministro diz respeito à polarização gerada por seus discursos contundentes sobre racismo e desigualdade. Como defensor de uma posição extremada sobre o papel das elites e do racismo estrutural, ele foi alvo de críticas de setores conservadores e liberais, que o acusavam de radicalizar o debate racial e de promover uma visão excessivamente pessimista da sociedade brasileira.

Outra polêmica que ganhou atenção foi relacionada à gestão do ministério durante seu período na Esplanada. Em determinados momentos, a mídia relato a ocorrência de críticas quanto à falta de articulação política entre o Ministério dos Direitos Humanos e outros setores do governo, além de questões relacionadas à execução de políticas públicas. Embora seu trabalho fosse elogiado por vários setores progressistas, sua gestão também enfrentou dificuldades em conseguir avançar com propostas de mudança estrutural em um cenário político marcado por tensões e divisões.

Mais recentemente, surgiram acusações públicas sobre sua suposta postura agressiva e opressora, mencionadas por figuras como o ex-assessor Leonardo Pinho relatadas por Guilherme Amado do site Metropolis e da Ministra da Igualdade Racial Anielle Franco, amplamente divulgada na mídia tradicional.

Não obstante essas acusações careçam de investigação mais profunda e de comprovação em fontes amplamente reconhecidas, não se pode deixar de considerar que uma vez confirmadas as denúncias de Leonardo Pinho sobre assédio moral, bem como as de Anielle Franco e de outras mulheres sobre assédio sexual, seriam possível avaliar a suposta conduta do ex-ministro correlacionando-a com a “Pedagogia do Oprimido” de Paulo Freire.

Como se sabe, Paulo Freire, em sua obra Pedagogia do Oprimido, argumenta que, quando a educação não é libertadora, os oprimidos podem internalizar a opressão e, ao se tornarem poderosos, reproduzem essas mesmas dinâmicas opressoras.

A crítica freiriana à opressão busca alertar para os riscos de sistemas educacionais que não emancipam o sujeito.

Assim, em sendo verdadeiras as condutas imputadas ao ex-ministro dos Direito Humanos, surge uma questão paradoxal: uma vez comprovadas essas denúncias, diante da sólida formação acadêmica do cidadão Silvio Almeida, seria de se questionar se ele recebeu uma educação efetivamente libertadora? E mais se, ao galgar o poder, deixou de ser um oprimido para se tornar um opressor? E se nunca foi um oprimido, será apenas mais um opressor da classe dominante? Essas questões servem apenas para tentar avaliar o acerto da teoria de Paulo Freire, pois em não sendo verdadeiros os fatos imputados ao ex-ministro, será apenas mais um caso de luta interna, suja, diga-se de passagem, pelo poder e pela ocupação dos espaços da política que, como se sabe, não deixa vácuos.

Silvio Almeida é amplamente conhecido por sua sólida formação acadêmica e por sua luta contra o racismo estrutural e as desigualdades. Nesse contexto, o pensamento de Paulo Freire, em sua obra Pedagogia do Oprimido, oferece uma chave para refletir sobre esse paradoxo. Como já referido acima, Freire argumenta que “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é se tornar opressor”, sugerindo que, sem uma transformação profunda de consciência, os indivíduos oprimidos podem, ao ascender ao poder, reproduzir as mesmas dinâmicas de opressão.

Esse pensamento leva à reflexão sobre a natureza da educação recebida por Almeida. Teria ele, apesar de sua notável formação acadêmica e compromisso com as causas sociais, internalizado as estruturas de poder que criticava, a ponto de reproduzir comportamentos opressores ao alcançar posições de poder? Comprovadas as acusações, estar-se-ia diante de um exemplo prático da tese freiriana, muito embora não seja razoável, podendo até mesmo soar cínico, usar esse argumento como tese de defesa de alguém que por sua formação jamais poderia ter praticado os atos que se lhe imputam.

No entanto, é crucial lembrar que acusações graves como essas precisam ser investigadas com rigor e imparcialidade. As denúncias, se verdadeiras, exigem uma análise profunda, não apenas sobre a responsabilidade individual, mas também sobre como o poder pode corromper até mesmo aqueles que se apresentam como pessoas comprometidas com a justiça social.

Esse caso pode se tornar emblemático – no sentido reforçar a importância de uma autovigilância constante sobre as condutas das pessoas que ocupam o poder – e a necessidade de se manter um comportamento ético coerente com as ideias defendidas, algo amplamente incentivado pela filosofia clássica, pois de nada vale uma prática dissociada da prédica, especialmente quando se trata de pessoas que desempenham funções públicas.

 

(*) O autor é advogado e Procurador do Estado do Amazonas aposentado.