País tem 6 mil mulheres com um ou zero voto

A ausência de votos e o fato de nem a candidata ter votado nela provocaram suspeitas de que tenham sido ‘laranjas’ para partidos driblarem a lei e cumprir a cota de 30% de candidaturas femininas

Brasília – Das 173 mil mulheres aptas a disputar o cargo de vereador no dia 15 de novembro, 6.372 tiveram apenas um ou nenhum voto, segundo levantamento do Estadão. Só em Manaus três não tiveram um voto sequer. A ausência de votos e o fato de nem a candidata ter votado nela mesma provocaram suspeitas de que essas mulheres tenham sido usadas como ‘laranjas’ para que partidos pudessem driblar a lei e cumprir a cota de 30% de candidaturas femininas. Parte delas recebeu R$ 877 mil do fundo eleitoral, dinheiro público usado para financiar gastos de campanha.

A verba na conta de mais de 500 candidatas causa estranheza, já que todas tiveram desempenho pífio nas urnas, e pode ser mais um indício do ‘laranjal partidário’, com o lançamento de concorrentes ‘de fachada’. Desde 2018, partidos devem destinar, no mínimo, 30% do fundo eleitoral para campanhas femininas. Quem não cumprir a regra pode ter as contas rejeitadas, os repasses suspensos e ser obrigado a devolver o dinheiro.

Das 173 mil mulheres aptas a disputar o cargo de vereador, 6.372 tiveram apenas um ou nenhum voto (Foto: Sandro Pereira/Divulgação/GDC)

Em Vargem Grande Paulista, interior de São Paulo, a candidata Marjory Piva teve apenas um voto, mas recebeu R$ 17 mil do Republicanos. Não declarou nenhuma receita à Justiça Eleitoral. O presidente municipal da legenda, vereador Zezinho Tapeceiro, disse que Marjory teve um problema pessoal e desistiu de concorrer. “Ela não é candidata laranja, porém ela teve de desistir e esse recurso dela está sendo todo devolvido”, afirmou Tapeceiro.

Em Santa Rita, na Paraíba, Edivania Carneiro viveu situação semelhante: recebeu R$ 15 mil do fundo eleitoral do PSL, mas obteve apenas um voto. Marjory e Edivania foram as mulheres que mais ganharam verba do fundo eleitoral.

Francielle Avila (PSD), candidata em Espigão Alto do Sul (PR), conseguiu R$ 10 mil do partido e, segundo sua prestação de contas, gastou R$ 7 mil com material de campanha. Em sua página do Facebook, no entanto, não há qualquer menção à candidatura, mas, sim, à do postulante a prefeito pelo PSDB, Hilário Czechowski.

O mapeamento também identificou que, na lista de mulheres com nenhum ou apenas um voto, predominam candidaturas de pretas ou pardas (59%), enquanto brancas representam 39% e indígenas, 1%.

“O expressivo número de candidaturas femininas sob suspeita de serem fictícias revela que ainda há nas estruturas partidárias resistência à inclusão das mulheres”, disse a advogada Maria Claudia Bucchianeri, da Comissão de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB. “As eleições de 2020 ainda trazem outro número preocupante, a sensível concentração dessas supostas candidaturas fake entre negras. Há, portanto, dupla recusa de inclusão: a de gênero e a de raça”, disse.