PEC que autoriza venda de plasma humano deve sofrer pressão

Matéria foi aprovada pela CCJ do Senado e ainda será analisada pelo plenário da Casa; governo pressiona contra a proposta

Brasília – Ainda sem data para ser analisada no plenário do Senado, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que autoriza a comercialização de plasma humano pela iniciativa privada deve enfrentar mais uma rodada de resistência da ala governista. A matéria foi aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) com placar apertado, 15 votos favoráveis e 11 votos contrários, mas a tendência é que o texto da senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB) sofra alterações durante a discussão com os demais senadores.

(Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil)

O ponto mais polêmico do projeto de emenda constitucional tem a ver com o fato de abrir o comércio do componente sanguíneo usado na fabricação de medicamentos. O texto da PEC altera o artigo 199 da Constituição, que dispõe sobre as condições e os requisitos para a coleta e o processamento de plasma, para permitir que isso seja feito pela iniciativa privada.

Inicialmente, o texto previa a remuneração de doadores de plasma, o que é proibido pela Constituição atualmente. Pelas leis atuais, não pode haver nenhum tipo de comercialização de órgãos, tecidos e substâncias humanas, e a coleta e o processamento de materiais sanguíneos estão sob a responsabilidade da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás).

Ao defender o texto, Daniella argumentou que a legislação brasileira sobre o assunto está atrasada, principalmente se comparada à de outros países, como Estados Unidos e Alemanha. Na tentativa de construir um acordo, a senadora apresentou um substitutivo que retirava a possibilidade de remuneração aos doadores de plasma, mas sem suprimir a palavra “comercialização” da emenda constitucional. No entanto, para governistas, o texto ainda abre margem para a venda de sangue por não proibir expressamente a prática.

A advogada especialista em direito médico Nycolle de Araújo Soares explica que, mesmo nos países em que a comercialização de plasma é liberada, existem questionamentos sobre a venda de sangue.

“Em experiências em outros países, também há os questionamentos relacionados à venda ou à utilização desse mecanismo por parte da população mais pobre, para obter algum tipo de renda.”, diz Nycolle.

A especialista também destaca que o Brasil já tem uma estrutura importante relacionada à doação de sangue. “Não necessariamente a questão da doação é que precisa de alguma análise diferenciada, mas o reforço na estrutura da utilização desses recursos para não haver desperdício ou subutilização desses hemoderivados. A flexibilização [para a comercialização de sangue] é uma mudança que não necessariamente atende a necessidade que nós temos”, completa.

O enfraquecimento da Hemobrás, inclusive, é outra preocupação dos críticos ao texto. Na sessão plenária desta terça (17), o senador Marcelo Castro (MDB-PI) levantou dúvida sobre a redação de um trecho da proposta que garante à iniciativa privada a atuação no mercado de manipulação de plasma humano.

Isso porque o parecer discutido na comissão previa que “a iniciativa privada poderá atuar” no mercado, em caráter complementar, mas a redação final do texto foi publicada com a expressão “atuará” no mercado. Na visão do senador, a forma escrita impõe a presença da iniciativa privada no setor.

“Nós queremos a iniciativa privada também, paralelamente ao setor público, processando o plasma. Não há nenhuma discordância quanto a isso. A nossa discordância é que ela diz uma coisa, mas o que está escrito é outra. O que está escrito no texto está permitindo que o sangue humano, o plasma humano seja comercializado. Esse é o nosso ponto de discordância”, diz senador.

Hemobrás faz a gerência do plasma

Atualmente, a Hemobrás é a única gestora do plasma excedente do uso em transfusões no Brasil e mantém estoque do insumo para a fabricação de medicamentos hemoderivados.

Esses medicamentos são produzidos a partir do plasma humano obtido nas doações de sangue realizadas nos hemocentros brasileiros. Com esse plasma, a Hemobrás consegue fabricar produtos como albumina, imunoglobulina e os fatores VIII e IX da coagulação. Os suplementos são usados por pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento de hemofilia, doenças autoimunes, Aids e outras deficiências imunológicas ou infecciosas.

Ministra da Saúde é contra

Ao comentar a proposta, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, disse que o governo também vai trabalhar para evitar que o sangue humano se torne mercadoria.

“O plasma é fundamental para o desenvolvimento de produtos usados para tratamento de doenças importantíssimas. Mas o sangue não pode ser comercializado de modo algum, não pode haver compensação aos doadores, e isso foi uma conquista da nossa Constituição”.

Apesar de ter feito mudanças no texto, a relatora Daniella Ribeiro defende o fim do monopólio da Hemobrás por considerar que a empresa não consegue atender à demanda nacional.

“Quando a gente fala em abrir para a iniciativa privada, a gente está falando em baratear medicamentos para o SUS, porque, na hora em que entra a iniciativa privada, é óbvio que a concorrência vai baixar o medicamento, e o SUS vai comprar mais barato. A gente está ajudando o governo a comprar mais barato. Nós estamos ajudando o cidadão”, afirmou.

“Derivados de sangue, que poderiam salvar vidas, vão para o lixo, porque não existe o aparelho, não existem as empresas que possam fazer a plasmaférese, para, assim, a gente ter o plasma suficiente para atender esses pacientes”, completou.